Em seu novo livro, Outro silêncio: haikais (Boa Companhia, 2015), Alice Ruiz S
prossegue na exitosa divulgação deste tipo de poesia, que segundo a própria
autora, tem aceitação cada vez maior em nosso país.
Na
apresentação do livro, ao referir-se à filosofia do haicai (prefiro esta grafia
à da autora), Alice afirma:
“Basicamente se descreve uma cena observada na natureza. Essa cena é tão
rica de significados que, em alguns casos, ela pode nos oferecer um bom haikai
mesmo que o espírito não tenha se depurado para recebê-lo. Mas, nesse caso,
podemos deixá-lo escapar, e é por isso que precisamos nos aprimorar para virar
bons instrumentos de fazer haikai.”
A
ideia da autora é interessante e bastante original se aplicada à poesia. W. R. Bion
(1897 – 1979) afirmou que os pensamentos existem previamente, e permanecem à
espera de alguém que os pense. Em outras palavras, podemos supor que os haicais
estão prontos na natureza. Se nosso aparelho de pensar – que ela chama de
“instrumento de fazer haicai” – está habilitado para captá-los, então eles
podem ser registrados no papel. É mais uma questão de educar o espírito.
Prossegue
Alice:
“É assim que se sentem aqueles que veem o haikai como uma das várias
práticas zen. Não o zen que virou moda. Ouve-se falar aleatoriamente de estilo
zen, penteado zen, decoração zen e uma série de outras “banalidades” zen. Esse
é apenas um truque do sistema para neutralizá-lo, pois percebeu o quanto ele
pode ser subversivo, na medida em que nos torna livres do “eu” – ou “ego”, se
preferirem – e de seus desejos.”
A
grande maioria das composições do livro não obedece à métrica tradicional do haicai
observada no Brasil, com 5 – 7 – 5 sílabas em cada um dos três versos. O que é
indispensável para a autora, além dos três únicos versos, é que o haicai tenha haimi, “palavra de difícil tradução mas
que se convencionou verter para “sabor de haikai”. Para percebê-lo, é preciso
que o haijin e o leitor estejam em perfeito silêncio interior.”
E
conclui Alice Ruiz S, de forma poética:
“Talvez a poesia de qualquer parte do mundo seja, apenas, outro
silêncio.”
Eis
alguns haicais do livro, todos sem título, como manda a tradição japonesa.
silêncio na mata
a mariposa pousa na flor
outro silêncio
coquinho maduro
volta a ser verde
cacho de maritacas
pé da serra
na barra da calça
respingos de barro
folha seca
voa de volta ao galho
pé de vento
Em suma, Alice recomenda a
todos nos a prática do haicai. Em silêncio!