Além da
característica já conhecida do leitor, – Alfredo precisa encontrar resposta
para tudo nesta vida –, ele tem a mania de elaborar teorias. O tema não
importa, varia desde os mais simples, como a origem das marés, até os mais
complexos, O que havia antes do Big Bang? pergunta ele, com uma teoria já na
ponta da língua.
Desde já fica evidente que ambos os aspectos, aquele de precisar de
explicações para todo e qualquer fenômeno da natureza, e este de estabelecer
teorias para tudo, são complementares, porém não são necessariamente idênticos.
Alfredo, a partir de uma observação simples, põe-se a estabelecer sua teoria,
sem mesmo perguntar o porquê, ou para quê: ele já sabe! E, portanto, trata-se
da Verdade.
Para tristeza de Matilde, sua
mulher, às vezes as teorias passam para o lado prático da vida, e afetam a vida
familiar, a relação com os amigos, vizinhos, colegas de trabalho, a própria
Matilde. É o que aconteceu com o desenvolvimento da teoria sobre O Número Ideal
De Pessoas À Mesa, em uma refeição oferecida a convidados.
Matilde, professora de ensino
fundamental, gostaria de convidar alguns colegas para um jantar de
confraternização, e ao mesmo tempo exibir seus dotes culinários, que não eram poucos.
O cardápio estava pronto: a entrada, terrine de coelho; prato principal, confit de canard com arroz basmati; tudo
regado a um bom tinto espanhol; de sobremesa, sua imbatível torta de maçãs com
vinho do Porto. Café expresso e licor de uísque fechavam o jantar. Consultou
Alfredo.
– Quero chamar Marina, Déia, Lea,
Pedro, Rodrigo e Humberto; o que você acha, Alfredo?
– Matilde, nem pensar.
– Por que não?
– Seus convidados, mais os donos da
casa, ao todo serão oito pessoas. Não se pode conversar com oito pessoas em
torno de uma mesa!
Não pense o leitor que nosso homem seja avesso ao convívio social. Ao
contrário, ele gosta de conversar. Gosta mesmo é de ser ouvido, embora não seja
de todo um mau ouvinte. Daí a teoria, O número ideal de pessoas à mesa de um
jantar digno deste nome é de três pessoas, não mais, decretou Alfredo.
– Três?! espantou-se Matilde.
– Sim, três. Enquanto uma fala, há suficiente silêncio ao redor para que
as outras duas ouçam, pensem sobre o que está sendo dito, e então possam
opinar, em concordância ou não. Sabe o que significa SILÊNCIO AO REDOR, minha
cara Matilde?
Matilde nunca havia ouvido aquela expressão, mas conhecia bem o marido.
– Você acaba de criar o conceito, não é, Alfredo?
– De fato, acabo de concebê-lo, nem eu mesmo havia pensado nele até
agora, mas me parece que expressa uma grande verdade. O ruído interfere na
transmissão das ideias. Dependendo dos convidados, Matilde, admito quatro
pessoas à mesa, dois casais: nós dois e mais dois; é o máximo tolerável. Mais
gente do que isso é povaréu dentro de casa, e povaréu não conversa, grita! Vira
balbúrdia, sarabulho, barafunda, choldraboldra, sarafusco, bafafá, auê, o diabo
a quatro.
Matilde não se conformou. Convidar dois colegas e deixar quatro de
fora, era melhor não convidar ninguém. Porém, Alfredo ainda não havia terminado
com seu rol de argumentos.
– Isso sem falar na quantidade de comida sobre a mesa, um absurdo de
desperdício, uma sujeirada, a toalha toda lambuzada. Depois da segunda garrafa
de vinho, ninguém mais fala coisa-com-coisa, o tom das vozes começa a subir e a
verdade passa a ficar com aquele que fala mais alto, mesmo que ninguém o
escute. Um horror! Não há mais um pingo de silêncio ao redor, apenas ruído e
restos, isso mesmo, restos: de palavras, frases, ideias, restos de comida nos
pratos e de vinho nos copos.
Depois de um instante de confusão e ódio, o olhar de Matilde
iluminou-se, ela acabava de ter um daqueles insights capazes de reverter toda
uma situação desfavorável.
– Alfredo, É Isso Mesmo! Sua Teoria Me Parece Perfeita.
– Então você desiste dos seis convidados!
– Não, vou chamar mais dois colegas. Seremos dez pessoas a vomitar
merda durante todo o jantar, a esvaziar o pote cheio de bosta que carregamos
durante toda a semana, de modo que, o que sobrar, o “resto” como você chama,
talvez possa ser aproveitado, e o pote pronto para ser preenchido com algo
melhor. No dia seguinte Francisca lava a louça, lava a toalha, passa pano no
chão, a vida continua.
O fato de Matilde “concordar” com a teoria de Alfredo, valorizando-a, expandindo-a
até, emprestando-lhe significados novos que nem ele havia descoberto ainda,
deixou-o completamente atordoado.
– Bem, se você concorda comigo, seja feita a sua vontade...