quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Salvo pelo gongo


Ameaçado de expulsão pela Diretora, por permanecer calado durante a execução do hino, foi salvo pela professora:
– Ele é surdo-mudo!

O hino


Hélio Schwartsman, articulista da Folha de S. Paulo, por quem não escondo minha admiração, publicou ontem (27.fev.2019) artigo sob o título Eu me orgulho de não saber o hino.
            Ele justifica este ponto de vista: “Cresci nos anos 70. Uma das escolas que frequentei obrigava a garotada a hastear a bandeira e entoar o hino diariamente. Meus pais, quando souberam disso, fizeram questão de me dizer que o governo militar era uma porcaria, mas acrescentaram que eu não deveria repetir isso na escola.” 
            Daí a “sentir orgulho” por não saber o hino, vai uma diferença muito grande. Também eu não sei cantar o hino, mas não me orgulho por isso. A letra é complicadíssima, cheia de palavras rebuscadas, pernósticas, em completo desuso, verdadeira perda de tempo. Já a música é belíssima, um dos hinos mais bonitos do mundo.
            Tudo isso tem pouca importância. Volto à crônica do Schwartsman, para tratar do que realmente importa:

“O nacionalismo é um negócio complicado. Em doses baixas, é um elemento valioso para dar a grupos populacionais cultural e economicamente heterogêneos um senso de comunidade, o que facilita a cooperação. Em doses altas, porém, ele se torna um produto tóxico.
Ambição, sadismo e excesso de autoestima explicam a grande maioria dos atos de violência no planeta. Mas, para chegar aos grandes massacres da história, é necessário introduzir um quarto ingrediente, a ideologia, que costuma aparecer como nacionalismo ou religião.”

            Eis o que sempre faz a diferença, e para pior: a ideologia.


Menstruação, ainda um tabu




Interessantíssimo o vencedor da categoria Melhor Documentário Curta-Metragem: Absorvendo o Tabu (em inglês, Period. End of Sentence.), uma produção Netflix . O documentário de 26 minutos fala sobre um assunto que ainda é tabu em muitos lugares: a menstruação.
Rayka Zehtabchi, cineasta americana descendente de iranianos, mostra a realidade de uma pequena vila rural em Delhi, na Índia, onde muitas mulheres ainda não sabem o que é a menstruação e a consideram algo pecaminoso.  
Para algumas meninas, menstruação é apenas um sangue ruim dentro da mulher e que precisa ser expelido. Para outras, “só Deus sabe o que é”. Há quem diga que tem algo a ver com o nascimento das crianças. Elas sentem muita vergonha ao falar do assunto e têm tanta dificuldade para lidar com o período menstrual que muitas abandonam a escola.
Já os homens, simplesmente o ignoram e não podem proferir a palavra menstruação. Quando perguntados sobre o assunto, permanecem em constrangedor silêncio. Um menino arriscou a resposta: “é uma doença das mulheres”.
A produção de um absorvente “caseiro” muda a vida de muitas mulheres, que experimentam pela primeira vez a possibilidade de serem autossuficientes.
Um ótimo documentário, na Netflix!






quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Tarsila no MoMa



A Lua, de Tarsila (1928): estética antropofágica
Foto: Galeria Paulo Kuczynski


“MoMA compra uma Tarsila da fase antropofágica”, é a manchete publicada por Antonio Gonçalves Filho, para O Estado de S. Paulo (27 fev 2019). A tela A Lua, de 1928, mesmo ano do Abaporu, agora pertence ao acervo do museu americano.
“A Lua sintetiza bem o dualismo dos modernistas, “presos entre a floresta e a escola”, como observou o marido e escritor Oswald de Andrade, falando da fusão do ‘background’ fazendeiro de Tarsila com seu lado cosmopolita europeu”, afirma Gonçalves filho. 
O preço da obra (em torno de US$ 20 milhões, segundo apuração do Estado) não foi divulgado nem pelo MoMA. 
“Nas telas do período metafísico/onírico, Tarsila, segundo Aracy, “dá vazão a uma forma expressiva que tem mais a ver com seu universo subjetivo, de sonho, magia, despreocupada com a representação da realidade exterior”. De fato, na economia formal das paisagens de Tarsila é possível identificar um mundo mágico marcado pela transfiguração – no caso de A Lua, um cacto sugere a figura de um homem na fronteira de um território surrealista, ao qual a própria pintora se rende como manifestação de seu inconsciente, a projeção de um sonho.” 
Outra razão para a escolha de A Lua é que a tela integrou a segunda exposição individual de Tarsila em Paris, em 1928, na Galerie Percier, inaugurando uma fase de um cromatismo explosivo, exótico. Tarsila, segundo Aracy Amaral, não se opunha a ser considerada “exótica”. Antes, observou a crítica, ela “estimulou ou se deixou levar pela etiqueta que nos identifica no exterior a partir do momento em que o Brasil buscava afirmar sua identidade cultural”. 



terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Autorretrato

fotominimalismo





Clique na foto para ampliar.

Foto: AVianna, set 2018.

Vermelho & verde

fotominimalismo



Foto: AVianna, out 2018, jardim

Boi esfolado de Rembrandt




A propósito do postanterior deste blog intitulado Carcaças, reproduzo trechos extraídos do livro  Rembrandt, de Pierre Cabanne (Editorial Verbo, 1993), tradução de Maria João Leal de Faria. (Publicado em 9 out 2011 por Manuel SantAna).

“As cenas de matadouro, como motivo pictórico, podem nos parecer hoje inusitadas mas foram um tema recorrente na pintura flamenga e do norte da Europa. Representado a partir do século XVI por Aersten e Beuckelaer, é igualmente abordado por numerosos contemporâneos de Rembrandt. Os cadáveres de porcos ou de bois esquartejados e suspensos de traves, são frequentemente associados a uma personagem - em geral uma criança - e servem para transmitir a ideia de morte. Este tema fica assim mais ligado à cena de género do que propriamente à natureza-morta.

Rembrandt, talvez o maior pintor flamengo do séc. XVII, mostra-nos a peça como se de um retrato se tratasse: a visão a três quartos é aquela que mais favorece ou informações dá da personagem retratada. A carcaça encontra-se numa espécie de cave, talvez um açougue, num ambiente lúgubre e muito diferente dos talhos que estamos habituados a ver hoje em dia. Está suspensa pelos tornozelos e o externo foi serrado e mantido aberto por uma trave transversal almofadada nas extremidades. O traço é rápido e não se perde em pormenores e a luz, embora difusa, é suficiente para permitir a definição das características anatómicas do malogrado bovino. Existe ainda uma segunda fonte de luz a meia altura, do lado direito, proveniente da divisão contígua e de onde emerge o busto quase imperceptível de uma mulher. Rembrandt inclui quase sempre personagens nas suas obras, não subvertendo, nesse aspecto, a tradição das cenas de matadouro. Porém, entre a versão de 1640 e a de 1655 (aqui apresentada), o papel do personagem foi alterado. A mulher do açougueiro, limpando o sangue derramado sem dar atenção à carcaça do animal, mantém-se agora em segundo plano, contemplando o boi esfolado do vão da porta e fazendo com que o mesmo pareça monumental e como que projetado para diante.

Não será abusivo comparar este animal abatido - pendurado no madeiro e exibido de peito aberto - a uma crucificação. Se assim fosse, a visão alegórica transformaria um mero pedaço de carne no corpo torturado e mutilado de Cristo e o tema assumiria um carácter edificante aos olhos dos contemporâneos do pintor. No entanto, o boi esfolado tornar-se-á apenas "pitoresco" no início do século XVIII, e finalmente será considerado brutal e vulgar no final desse mesmo século. Teremos que esperar pelo século XIX para ver os pintores "copiarem" o mestre, prestando-lhe homenagem: Delacroix, Herbier, Daumier e ainda, mais próximos de nós, Soutine, Fautrier e Francis Bacon.”



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A casa que Jack construiu




Lars von Trier (Copenhague, 30 de abril de 1956) é um cineasta dinamarquês, vencedor de diversos prêmios de cinema, e que adora polêmicas. Não é um diretor fácil; pertence ao time daqueles que você ama ou odeia. Eu me enquadro na primeira categoria.
          Seu filme Europa (1991) é uma obra prima. Foi vencedor da Palma de Ouro com Dancer in the Dark (2000). Dogville (2003), seguido por Manderlay (2005), Antichrist (2009), Melancholia (2011) e Nymphomaniac (2013), todos foram bem recebidos pela crítica, nem tanto pelo público.
          Em 2018 dirigiu A casa que Jack construiu, com Matt Dillon e Bruno Ganz. É sobre ele que desejo comentar.
          Antes do festival de Cannes começar, o diretor artístico Thierry Fremaux proibiu o longa de participar da competição por ser “muito controverso”. Exibido fora da competição, muitos que compareceram à exibição não estavam preparados para a experiência e mais de 100 pessoas abandonaram a sala de projeção no meio do filme. Ainda assim, o diretor foi ovacionado no final da sessão.
          The House That Jack Built relata a história de um psicopata, interpretado por Matt Dillon, que comete cinco crimes violentos aleatórios, e que prefere matar mulheres. "Os homens já nascem culpados", enquanto "elas são sempre vítimas", ironiza Jack.
          Jack é um psicopata grave, delirante, anedônico, que descobre a certa altura da vida que pode sentir prazer ao matar. Além disso, sofre de transtorno obsessivo compulsivo, o popular TOC, o que acrescenta certa dose de humor à trama, porque depois de cometer um crime ele precisa voltar inúmeras vezes à cena, para conferir se não deixou alguma marca de sangue que não fosse rigorosamente limpa. 
          Em um descampado, ele constrói e em seguida destrói várias vezes os alicerces de uma casa ideal, sempre insatisfeito com o resultado. A metáfora refere-se à sua casa mental, imperfeita, inadaptada à vida social, incapaz de amar. 
          Mais que a morte em si, são as fotos que faz dos cadáveres em posições macabras que o satisfazem; em seus delírios, considera-se um artista.  
          O protagonista narra sua trajetória a um interlocutor, Verge (Bruno Ganz), inspirado em Virgílio, guia do inferno e do purgatório em “A divina comédia” de Dante.  



Bruno Ganz e Matt Dillon.  Foto: Divulgação.
            
Em cenas lentas e monótonas, Jack discorre sobre a alma humana, sobre o papel da arte, fala de uma sociedade indiferente ao gritos de pedido de socorro do ser humano que sofre.  
            Lars von Trier retrata os extremos em seus filmes. Nunca, em minha opinião, um serial killer foi tão bem retratado no cinema, com requintes repugnantes para alguns, como nesse último filme do diretor. A descrição da personalidade psicopática grave é perfeita. 
            Se meu eventual leitor deseja ver o filme, esta é uma pequena preparação. Bom filme.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

curicaca





ao amanhecer
o jardim inda em silêncio
canta a curicaca


Foto: AVianna, fev 2019, jardim

Clique no site abaixo para ouvir a curicaca:

Carcaças


Em curso desde o início de fevereiro a exposição "50 anos de Realismo - do Fotorrealismo à Realidade Virtual"no CCBB de Brasília (5 de fev a 28 de abr).
            Em minha segunda visita à exposição pude observar melhor o óleo sobre tela de Fábio Magalhães (1982), intitulado Daquilo que conduz ao anímico, da série  Limites do Introspecto (2015).
            Lembrei-me da pintura de Rembrandt, Carcaça de um boi, de 1655, em exposição no Louvre.
            O tema é recorrente, utilizado por inúmeros artistas. Revelo alguns deles aqui, como uma provocação aos eventuais leitores desse blog.


Daquilo que conduz ao anímico, 2015
Fábio Magalhães (1982)



Detalhe



Detalhe



Carcaça de um boi
Rembrandt van Rijn (1655)



Isaac van Ostade (1624)




Michael van Musschert (1668)



Jan Miense Molenaer (séc. XVII)



James Ward (1815)



Chaim Soutine (1924)



Chaim Soutine (1924)



Bruno Cassinari (1941)



Marc Chagall (1947)





Damien Hirst (1965)


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Pomar de palavras


A deliciosa crônica de hoje  (21.fev.2019) Sobre laranjas e bananasde Sérgio Rodrigues fala do “pomar de palavras” da língua portuguesa no Brasil. Ou uma salada de frutas, se o leitor assim o preferir.
            A fruta do momento é a laranja, presente no dia de ontem no Congresso Nacional, distribuída por um certo partido político aos parlamentares e visitantes presentes! 
            Afirma Rodrigues que “na primeira metade do século 20, "laranja" já aparecia em registros escritos na acepção hoje um tanto esquecida de "pessoa ingênua, bocó". A mesma que nas últimas décadas evoluiu para a de "indivíduo que, ingenuamente ou não, tem seu nome usado em fraudes financeiras". Se os primeiros laranjas eram simplesmente otários, os atuais são agentes ativos das fraudes, espertos que visam lucro fácil, emprestando apenas o nome e cpf. 
O sentido da palavra "laranja" não é muito diferente de "banana". Desde a primeira metade do século 18 significa "indivíduo covarde" e por extensão, "pessoa fraca, sem iniciativa". É possível que a forma e consistência da fruta sejam responsáveis pela acepção depreciativa. (Penso que os laranjas de hoje não são nada bananas...)
Outra fruta bastante utilizada nessa nossa salada é o "abacaxi", que ainda segundo o autor da crônica “tornou-se em algum momento do século passado um símbolo de trabalho difícil, problema grave ou situação intrincada”. O aspecto agressivo da fruta, áspero espinhento rude, que machuca a mão, aliado à dificuldade para descascá-la,  parecem ser os responsáveis pelo novo significado.
Já o mamão pode sugerir um duplo sentido. Pode indicar pessoa imbecil, palerma, lelé da cuca, pancada,  mas também o sentido de "tarefa de fácil execução, moleza", “forma reduzida da expressão metafórica "mamão com açúcar". 
A palavra “uva”, sabe-se lá por quê, indica "mulher muito bonita".  Penso que menos pelo aspecto da fruta que pela sua doçura e consistência na boca, de preferência sem semente.
            Rodrigues não inclui em sua crônica certas frutas que mais recentemente passaram a ser identificadas com determinadas partes do corpo humano, em particular o corpo feminino, como mulher-pera, mulher-melancia, cujas similitudes dispensam comentários.
             A simples colocação de um adjetivo acoplado à fruta muda completamente seu sentido; é o caso da maçã-podre, capaz de estragar toda uma caixa ou cesta de maçãs. Fazer do limão uma limonada é artifício análogo e muito elegante.
            Enfim, infindável é este "pomar de palavras". É preciso encontrar um bom uso para o “gold kiwi”, fruta saborosíssima, delicada, bonita, e muito cara. Talvez uma linda adolescente mimada possa ser comparada ao gold kiwi. Este blog aceita sugestões.





segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Vínculo de irmãos




Dois leões machos adultos, provavelmente irmãos, cumprimentam-se esfregando os rostos por 30 segundos. A foto foi tirada em Ndutu, Serengeti (Tanzânia). 'Vínculo de hermanos' é a imagem vencedora do 'Wildlife Photographer of the Year 2018'.

Foto: DAVID LLOYD / NHM


https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/14/album/1550166704_220021.html#foto_gal_1

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Suzete escreve um microconto


Meu querido André,

mostrei a última cartinha que você me escreveu a minha colega Abigail e ela quase morreu de inveja, que nunca recebera uma carta assim, tão delicada, embora não tenha apreciado um certo palavrão, como é que pode começar falando de cachorros, passar ao amigo e terminar com microcontos, no que concordei com ela em tudo, menos no palavrão muito bem colocado diante do dentinho afiado de Lila, ai como dói, putaqueopariu! 
            Ao final da carta você me pede que escreva um microconto! Muito difícil, meu amigo, para uma simples cabeleireira. Não é de hoje que venho acompanhando esta sua predileção pelo gênero e penso que preciso desenvolver capacidade de síntese para escrevê-los, o que não é fácil diante das conversas de salão de beleza, onde as pessoas falam falam falam até secar a garganta, para não dizer nada. Parece que o bom microconto é aquele que dá um recado.
            Em seu livro minimalismosvocê escreveu aquele que achei um belo microconto, na forma e conteúdo:

“Esperava pelo irmão como quem espera pelo Messias. Ao chegar, viu que o irmão era de carne-e-osso. Amou-o ainda mais.”

            Acho que não consigo fazer nada parecido, André. Mas estou tentando, e de tanto tentar, saiu-me isso:

Diante da desilusão amorosa, Sansão pediu-me que lhe raspasse a cabeça. Foi perdendo forças, definhando, até morrer. 

            E você acha que podia sair outra coisa do bestunto de uma cabeleireira que só corta cabelo de homem? Diga-me, sinceramente, posso continuar tentando?
            Pelo que você tem escrito no blog, a visita de seu amigo Sergio foi um sucesso. Agora sou eu quem fica com inveja. Amizade dessas não tem preço. Pois vou lhe contar o sucedido recentemente comigo. 
            Há 8 meses e meio apareceu por aqui uma tal de Mara, vinda de Santa Catarina (em toda a minha vida eu nunca havia conhecido ninguém de Santa Catarina), toda branquinha que nem leite, quase transparente, fala mansa de gente educada, pegou a cadeira ao lado da minha, mas só cortava cabelo de mulher. Foi se chegando, ficou minha amiga, nos fins de semana não saía lá de casa, elogiava minha comida, gostava dos meus livros, e acho que foi isso que acabou por me cativar, gostar dos meus livros. Também eu me apeguei. 
            André, não vale a pena encompridar essa história patética (é a primeira vez que uso a palavra patética). Certo dia Mara me disse que precisava visitar a mãe doente em Santa Catarina (já viu desculpa mais esfarrapada?), pediu-me dinheiro emprestado para a viagem, nunca mais deu notícia. Acabou-se a amizade, acabou-se a patética história. 
            Eram todas as minhas economias, acredita? Foi o que me deixou putadavida, não senti a perda da amizade porque não era mesmo amizade, não me senti ludibriada porque não fiz nada de errado, nem boba me senti porque continuo acreditando nas pessoas e é possível que volte a cair num golpe desses, mas perder meu dinheirinho ganho honestamente cortando cabelo de homem – e alguns são muito chatos –, aí não, isso eu não me conformo. 
            Estava juntando dinheiro para visitar Nova Iorque. Agora não dá nem pra ir a Aparecida do Norte, a pé, e lá não vou mesmo, ateia degenerada (não foi assim que seu irmão chamou você?, degenerado?) que sou, que se creditasse em promessa fazia uma para Santo Expedito, o das causas perdidas, para ter meu dinheirinho de volta.
            Portanto, de volta ao salão, isso sim. Haja cabelo de homem.
            Termino por aqui, meio chateada com esta resposta tão sem graça desenxabida insossa insípida inodora, longe da graça com que me escreveu. Paciência. A próxima será mais inspirada.
            Beijo da sempre sua

                                                           Suzete.
            

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Suzete conhece o Anjo Exterminador


Querida Suzete,

tempos estranhos esses que estamos vivendo. Tragédias e mais tragédias, mortes e mais mortes, de repente perdemos o homem que nos traduzia os acontecimentos cotidianos de forma lúcida e corajosa, e o país acorda de luto nesta terça-feira 12 de fevereiro, uma tristeza sem fim. Ficou difícil pensar.
            Depois de ler quatro ou cinco jornais e percorrer o Twitter de ponta a ponta, o sentimento é de desalento, de desesperança. Então bateu a vontade de escrever para você, minha amiga.
            Há um animal novo aqui em casa. Como o irmão mais velho se chama Costela, botei-lhe o nome de Bisteca. Não pegou, ninguém gostou, lindo animalzinho da raça dachshund, ou linguicinha, ou Cofap, com nome tão vulgar. Passou a chamar-se Lila, inspiração oriunda de uma certa série da tv, A amiga genial. Todo mundo gostou. Com o passar dos dias, agora com 3 Kg e uma voracidade infernal, tem sido chamada de Anjo Exterminador, Capeta, Cão Chupando Manga, Dragão de Komodo, e até Filha-da-Puta, quando prega os caninos em meu pé.
            O prazer de Lila é infernizar a vida dos outros quatro cães daqui de casa, morder a orelha das duas pequenas e o rabo das grandes. Vamos ver se melhora com a idade e um pouco de juízo. Mas ela é linda!
            Não sei o que seria desta casa sem a presença dos cães. Seria um ermo triste cheio de silêncio. Sabe, Suzete, os que já se foram – Dora, Berta, Lenda, Camões, Lola – permanecem todos presentes, enchendo a casa de lembranças doces, do amor que nos legaram.
            Enveredei por este assunto canino para lhe contar que esteve conosco nesse fim de semana o meu amigo Sergio Pripas, de São Carlos – a Capital do Mundo! 
Falávamos de cães, naturalmente, dos diferentes temperamentos de cada raça, Sergio teve um dogue alemão arlequim, lindíssimo, eu tive um rottwailer imenso chamado Zenon, falávamos das diferentes personalidades desses animais, de como se relacionam com seus donos, (e o Anjo Exterminador mordendo nossos pés debaixo da mesa da cozinha, Ôôô Raça-Ruim!), até que lhe apresentei o gold kiwi, que ele não conhecia, embora seja grande conhecedor de plantas, flores, frutos, bichos e muito mais. Ele gostou, impossível não gostar de um gold kiwi, e ficamos dissecando o complexo sabor da fruta, um tanto do kiwi comum, o verdinho, um toque de laranja, de limão, textura de mamão, sabor elegante, até que meu amigo saiu-se com a antológica frase, que por si só constitui um excelente microconto:

Gold kiwi é cachorro.

            Portanto, Suzete, aqui estão os três grandes microcontos da Literatura Universal:
1 - O Dinossauro, de Augusto Monterroso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”
2 - Manoel de Barros: “Ovo de lobisomem não tem gema” (que só eu classifico como microconto; para o autor, um verso apenas).
3 - Agora, Sergio Pripas: “Gold kiwi é cachorro.” Para a glória eterna, como o terceiro melhor microconto de todos os tempos!

Suzete, nunca recebi um microconto seu. Quem sabe na próxima carta? 
            Bem, termina aqui o lero-lero sobre cães e afins. Termina também esta cartinha, que já me deixa mais animado para enfrentar o dia-a-dia deste país tropical “abençoado por Deus e bonito por natureza”...
            Do amigo de sempre,

                                                           andré

            

Grande perda

A foto do dia


Morre Ricardo Boechat

Gold kiwi é cachorro




– Os cachorros, cada raça um temperamento.
– É mesmo, cada um cada um.
– Este gold kiwi tem diversos sabores.
– Gold kiwi é cachorro.



(Microconto em parceria com Sergio Pripas, autor da última frase, que por si só constitui um microconto autônomo.)

Poema


A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
        
         Manoel de Barros
In Tratado geral das grandezas do ínfimo

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Cannabis e surto psicótico



Estudos mostram provável elo entre o uso da cannabis e a esquizofrenia em pessoas com predisposição genética 
Foto: Carlos Osorio/Reuters


“Uso de cannabis de 'alta potência' pode desencadear surto psicótico. Segundo especialistas, os riscos são para adolescentes e jovens que fazem uso de maconha e possuem histórico familiar de distúrbios mentais.” A reportagem é de Benedict Carey, para The New York Times (11 Fev 2019).
Prossegue a reportagem: “Legisladores e médicos estão cada vez mais preocupados com os perigos da maconha. Especialistas diferenciam entre a "nova cannabis" – legalizada, altamente potente, disponível sob a forma de produtos comestíveis ou em vaporizadores – e a versão antiga, uma erva mais fraca. Faz pelo menos três décadas que os níveis do THC, elemento químico responsável pelo efeito da maconha, estão aumentando.” 
Preocupa a todos o uso contínuo da erva e o surgimento de psicose entre os jovens, pois há 70 anos as evidências se acumulam. “No livro “Tell Your Children” [Conte aos seus filhos], o autor Alex Berenson, que já foi repórter do New York Times, argumenta que a legalização está expondo uma geração inteira a um elevado risco de esquizofrenia e outras síndromes psicóticas.”
“Há evidências circunstanciais de um mecanismo biológico por meio do qual o uso da cannabis poderia causar um distúrbio psicótico, episódios que tendem a ocorrer no fim da adolescência e início da vida adulta, durante ou após um período de rápido desenvolvimento do cérebro.”
“Durante a adolescência, o cérebro desfaz algumas conexões desnecessárias entre os neurônios do córtex pré-frontal - onde ocorrem o pensamento e o planejamento - e a região que é perturbada pelos distúrbios psicóticos. A região é rica em receptores CB1, envolvidos nessa "poda" e estimulados pelo uso da cannabis. Alterações no processo de poda podem aumentar o risco de esquizofrenia, de acordo com pesquisas recentes.”  
Parece que o histórico familiar de distúrbios psicóticos tem papel muito mais preponderante que qualquer efeito causado pelo uso da cannabis. Um estudo de 2014 indicou um maior risco de esquizofrenia entre pessoas com histórico familiar desse distúrbio, independentemente do uso da Cannabis. 
"Meu estudo mostra claramente que a cannabis não causa, sozinha, a esquizofrenia", disse a Dra. Lynn E. DeLisi, da Faculdade de Medicina de Harvard. "Na verdade, é necessária uma predisposição genética." Ela acrescentou que é provável que o uso da cannabis durante a adolescência e até os 25 anos pode desencadear um quadro de esquizofrenia.  
            Aguardamos estudos que apresentem conclusões definitivas sobre o assunto.



domingo, 10 de fevereiro de 2019

Dois artistas?


Mais uma surpresa de nossa visita, eu e meu amigo Sergio, à exposição "50 anos de Realismo - do Fotorrealismo à Realidade Virtual"no CCBB de Brasília.
            Paramos diante de impressionante pintura, enorme óleo sobre tela, de Andrés Castellanos (1956), intitulada Shopping Center N.Y. (2014). Revela vista de Nova Iorque, baseada em fotografia tirada de dentro de um shopping diante do Columbus Circle. A trama quadriculada corresponde a um extenso vidro diante da fachada do prédio.
            Eis a pintura (é uma pintura!):




            Instantaneamente eu disse, Já estive nesse lugar e bati uma foto muito parecida com este quadro. 
Em nossa última estada em Nova Iorque, eu e Mercêdes fomos a três apresentações em um espetacular clube de jazz localizado no quinto andar do The Shops at Columbus Circle, o famoso Dizzy’s Club Coca-Cola. (A sugestão do programa foi de meu irmão Paulo.) 
            Eis a fotografia do artista que lhes escreve:




            
            Recomento fortemente aos que visitarem NY: não deixem de ir ao Dizzy’s Club Coca-Cola.




Nu frontal


Ainda sobre nossa visita à exposição"50 anos de Realismo - do Fotorrealismo à Realidade Virtual"no CCBB de Brasília.
            A certa altura da visita, eu e meu amigo Sergio observamos, por tempo relativamente longo, cena que nos chamou a atenção. A escultura hiper-realista, intitulada Christine (2011), de autoria de John Deandrea (1941), mostrava uma mulher nua. Nos colocamos de frente para a face anterior do corpo e vimos que cinco adolescentes permaneciam observando – e conversavam animadamente sobre o que viam –, apenas a parte posterior da escultura. Do que riam? De que tanto falavam? Jamais saberemos.
            O que nos intrigou foi o fato de permanecerem olhando para a face posterior do corpo. Parece que evitavam propositalmente a visão do nu frontal. Adolescentes envergonhadas?



50 anos de Realismo


Teve início neste começo de fevereiro a exposição "50 anos de Realismo - do Fotorrealismo à Realidade Virtual"no CCBB de Brasília (5 de fev a 28 de abr)
Entramos na primeira sala, eu e meu amigo Sergio Pripas, e diante dos três primeiros quadros permanecemos quase que perplexos, sem compreender o que víamos, É uma fotografia bastante manipulada, Mas parece uma pintura, Não, é muito real para ser pintura, a conversa ia por aí quando um guarda que zelava pela sala, muito educadamente, chegou e disse, Isso é tudo pintura, não tem fotografia, e o nosso susto foi enorme, Nossa Mãe do Céu! 
O próprio site da exposição explica: “O foco das obras é o hiperrealismo. As esculturas tridimensionais são uma representação realista do ser humano. Já os quadros trarão a constante dúvida "foto ou pintura?". 
            Eu e meu amigo não conhecíamos esse Hiperrealismo na Arte contemporânea. Concordamos ambos que a Exposição é belíssima, surpreendente, acima de nossas (parcas) expectativas.
            Abaixo, destaques que darão pálida ideia do que é a exposição.

Clique na foto para aumentar.




Na chegada, de longe, a árvore parecia real.
Cobre e plástico.



As 3 primeiras obras e nossa perplexidade.




Trailer com cavalinho de balanço. Aquarela! (1974-1975)
Jonh Salt (1937)





Onda ao luar (2016)
Antonis Titakis (1974)





Aparas em vermelho, azul e branco (2018)
Javier Banegas (1974)



Realidade virtual para os visitantes.


            Encerramos a esplêndida visita em alto estilo, com vinho branco, pão e queijo. A conversa prosseguiu.