terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O prazer da Poesia



             Acaba de sair do forno O prazer do poema – uma antologia pessoal, organização e tradução de Ferreira Gullar (Edições de Janeiro, 2014).
            Há mais de 30 anos o poeta vem selecionando poemas e poetas de sua predileção. Aqueles que escrevem em língua estrangeira foram traduzidos por Gullar; os que escrevem em português, naturalmente tiveram seus textos transcritos no original.
            Os poemas são distribuídos por ordem temática, o que nem sempre fica claro para o leitor, e penso que até mesmo para o organizador da antologia.
            A edição é belíssima, capa dura de autoria de Mayumi Okuyama, estampando nomes, muitos nomes, dos poetas, do organizador e tradutor, do belo título – O prazer do poema.
            Selecionei da antologia intrigante poema de Fernando Pessoa, à guisa de ilustração. O título – Eros e Psique – sugere a clássica história da mitologia grega. Ao final do poema, o leitor pode ser surpreendido com certa interpretação de cunho psicanalítico, baseada no mito de Narciso.
            De resto, cada leitor tem sua antologia pessoal, com as próprias interpretações. Aí reside a força da Poesia.

                                    Eros e Psique

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela demora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera.
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

                                    Fernando Pessoa


Natureza humana


Hélio Schwartsman pergunta, na crônica de hoje na Folha, O que aconteceu?, referindo-se às transformações ocorridas no Partido dos Trabalhadores, desde sua origem nos anos 80 até os famigerados dias de hoje. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202118-o-que-aconteceu.shtml)
O articulista detém-se no escandaloso pedido feito pela presidente, no qual ela “propõe ao procurador-geral da República passar-lhe os nomes das pessoas que pretende nomear ministros para que ele diga se estão ou não envolvidas em alguma das delações premiadas relacionadas ao caso Petrobras.”
Quando li esta notícia pela primeira vez, dias atrás, pensei comigo mesmo: é o fim do mundo, não há mesmo solução para o nosso país. Senti vontade de escrever sobre isso, não encontrei ânimo nem palavras. Não soube expressar minha indignação com método, com inteligência, pois a razão foi dominada pela emoção. (Talvez ódio, quem sabe?)
Apenas uma interjeição me ocorria, recorrente, retumbante: puta-que-pariu! Mais nada.
A sensação era de absoluta impotência, ao ver o país desgovernado, com o futuro ameaçado. Os países podem sim perder o rumo, entrar em contínua decadência durante anos a fio, perdidos num mar de incompetência, corrupção, desmandos, burrice, mediocridade, deseducação; temos um exemplo bem próximo a nós, aqui na América do Sul.
Mas alguém precisa manter a cabeça no lugar. E é assim que Hélio Schwartsman termina sua crônica de hoje:

“Ninguém exerce o monopólio da virtude. Embora um homem possa individualmente ser mais honesto do que outro, basta que reunamos um número razoavelmente grande de pessoas e lhes ofereçamos oportunidades um pouco mais tentadoras de tirar vantagens indevidas, para que as diferenças entre grupos maiores tendam a anular-se, retratando aquilo que chamamos de natureza humana.”

            É, portanto, da nossa própria natureza que estamos falando. Sejamos, pois, tolerantes.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Microconto de Natal

Baseado em fatos reais.

Morador de rua, encontrou objeto de valor, devolveu ao dono, um empresário, e não aceitou gorjeta. Ganhou dignidade, na forma de um emprego.


Praia de Ipanema!

A foto do dia.


Domingo de sol na Praia de Ipanema!

Foto: Wilton Júnior, O Estado de São Paulo.

Cura pela escrita?




Em crônica publicada no ótimo blog Literatura na poltrona (24/12/2014), José Castello fala do romance O lago, de Yasunari Kawabata (Estação 
Liberdade, 2010). Trata-se do relato de uma “busca sem sentido”, de uma irresistível obsessão, e uma das obsessões de Castelo é exatamente ler o romance de Kawabata todo fim de ano. (http://oglobo.globo.com/blogs/literatura/posts/2014/12/24/kawabata-no-escritorio-557002.asp)
            Depois de resumir a interessante trama do romance, José Castello encerra sua crônica tratando de tema que me interessa muitíssimo:

“... não existe esperança alguma de que a escrita possa "curar". A escrita não cura, mas dá vazão. Dá corpo – acolhe. Faz de uma coisa, outra – sem que, com essa transposição, coisa alguma se resolva. A literatura nada resolve, ela nos ajuda a viver.”

            O assunto veio à baila neste blog com O diário de Boris Fausto, onde comento o livro do famoso historiador, O brilho do bronze, que trata, em uma única palavra, do Luto, após a morte da esposa querida. Meu ponto de vista versava sobre a falta que senti, no livro, de alguma referência ao que chamo de Função Terapêutica da Escrita. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/12/o-diario-de-boris-fausto.html)
            O tema voltou ao Louco por cachorros com o título A escrita e o luto, enfocando certos comentários de Fausto numa entrevista concedida à Folha, em que o autor relata, “Escrever foi bom, foi útil, mas foi muito penoso em certos momentos”. 
(http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/12/a-escrita-e-o-luto.html)
            Agora vem o excelente José Castello, trazendo a palavra “cura” – assim mesmo, entre aspas – relacionando-a com a escrita. E conclui com a retumbante frase “A literatura nada resolve...”.
            Vamos tentar organizar as ideias, pois penso que, tanto um autor quanto o outro misturam conceitos, fazem afirmações obscuras, ou deixam de fazê-las – é o caso de Fausto em O brilho do bronze –, a respeito da Literatura e da Escrita. Uma coisa é a Literatura – com maiúscula, excluindo assim, desde já, aquela que se convencionou chamar de autoajuda –, outra coisa é a Escrita, o ato individual e solitário de quem escreve.
            A Literatura, de fato, não muda nada, ou quase nada. Sua “utilidade” é a mesma da Arte de um modo geral: ajuda, revigora, ampara, ameniza, mas por si mesma, não resolve, como afirma Castello. (Mas, afinal, o que é que resolve? O que é resolver?)
            A Escrita, vejo-a com outros olhos: trata-se de autocriação, de uma atitude tomada pela pessoa que escreve e que exige esforço individual, que pode ajudar a colocar em ordem os pensamentos, as emoções, enfim, clarear as ideias. Ajuda a pensar. Pode ensinar àquele que escreve a pensar melhor. Se aquele que escreve, lê, tanto melhor!
            Um ótimo exemplo desta aplicação do ato de escrever pode ser encontrado em O brilho do bronze, em que a escrita ajuda a vivenciar o luto. Qualquer pessoa naquela situação pode utilizar-se da escrita como forma de verdadeira autoajuda – palavra agora empregado em sentido completamente diferente do usual. É o que denomino de Função Terapêutica da Escrita.
            O paralelo que podemos traçar nesse ponto do desenvolvimento de minhas ideias é com a Psicanálise. O psicanalista jamais fala, muito menos promete, cura. Em se tratando de psiquismo humano (aqui não há pleonasmo, pois outras espécies animais têm seu próprio psiquismo), não se pode falar em cura. Uma das grandes contribuições freudianas para a psicologia foi a de que é impossível traçar um padrão de normalidade para a mente e comportamento humanos. Portanto, submeter-se a uma terapia não significa possibilidade de cura. O que ela possibilita, quando o processo é bem conduzido, é o que se pode chamar de expansão psíquica.
            O mesmo ocorre com a Literatura, as Artes, a Escrita; estas não curam ninguém. Porém, a Escrita, pela peculiaridade de que exige por parte de quem escreve um esforço, mínimo que seja, de autoconhecimento, de autorreflexão, pode ser terapêutica. Ela não precisa ser necessariamente artística, literária, ou coisa do gênero.
Qualquer pessoa pode escrever, se possui um mínimo de alfabetização, o que não acontece com outras formas de Arte, como a pintura, por exemplo. E o que se escreve nem sempre precisa ser publicado. (Lembro-me bem da estrondosa repercussão que foi a publicação, em 1960, de Quarto de despejo – diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), uma catadora de papel semianalfabeta, que de início escrevia para si mesma, até que foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas. Além das incontáveis edições, seu livro foi traduzido para mais de uma dezena de idiomas.)
            O exercício da Escrita pode tornar-se um meio de expansão psíquica, daí minha ideia de sua particular função terapêutica.