quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Homenagem a Otavio Frias Filho



Em 31 de dezembro de 2017, Otavio Frias Filho publicou interessante artigo na Folha, sob o título Mártires do estilo. Este blog volta ao assunto, também como homenagem ao grande jornalista e intelectual. 
Diz Otavio: “Vivemos numa época em que se escreve mais do que nunca. Quem, incluindo o autor destas linhas, não gostaria de melhorar sua capacidade de expressão escrita? No entanto, se as regras gramaticais estabelecem de modo inequívoco como escrever direito, não existem regras que assegurem como escrever bem.”  
            Em seguida ele cita três manuais para bem escrever: Tirando de Letra: Orientações Simples e Práticas Para Escrever Bem (Companhia das Letras), do casal Chico e Wilma Moura;  Como Escrever Bem - o Clássico Manual Americano da Escrita Jornalística e de Não Ficção (Três Estrelas), de William Zinsser; e o terceiro livro é Guia de Escrita - Como Conceber um Texto com Clareza, Precisão e Elegância (Contexto), de Steven Pinker.
Enfatiza Otavio: “Todos os esforços em favor da simplicidade despojada são bem-vindos num país como o nosso, onde ainda se cultiva uma escrita ornamental, feita mais para iludir do que expor e esclarecer. Não se trata apenas da prolixidade afetada própria do Judiciário ou da verborragia evasiva no ambiente parlamentar. 
Bulas, manuais de uso, documentos oficiais, instruções ao consumidor etc. são redigidos de maneira nebulosa, eufemística, quando não abstrusa, no hábito deliberado de evitar compromissos e eludir responsabilidades. Comunidades inteiras (urbanistas, pedagogos e psicólogos, por exemplo) tendem a escrever num dialeto infestado de ideias vagas e substantivos abstratos que traduzem pouco sentido objetivo.”  
Simplicidade despojada, eis o que recomenda o grande jornalista, falecido recentemente. (Frias Filho esqueceu-se de acrescentar os psicanalistas, em particular os chamados lacanianos, no rol dos prolixos.)
A partir deste conselho, o da simplicidade, digo que qualquer pessoa medianamente educada pode escrever; isso, no entanto, não acontece. Escrever tornou-se um tabu, as pessoas têm pavor de escrever, uma carta que seja. Dizem, Não sei escrever. Perdem a oportunidade de praticar algo muito simples, que chamo de terapêutico. 
Aqui vai minha dica para os que não têm o hábito de escrever constantemente: escreva hoje uma carta a um amigo, parente, pessoa a quem você estima. Vamos torcer para que ele responda...
                        



A menina Denny



Richard Roberts, Vladimir Ulianov e Maxim Kozlikin na gruta de Denisova,
onde foram achados os restos da jovem híbrida
Foto: IAET SB RAS, SERGEI ZELENSKY



A manchete do artigo de Daniel Mediavilla para El País de ontem 
(22 ago 2018)é espetacular:Achada a primeira filha fruto do sexo entre duas espécies humanas diferentes.
            Diz a reportagem: “Há mais de 50.000 anos, uma mulher neandertal e um homem denisovano fizeram sexo e alguns meses depois ela deu à luz uma menina. Muitos séculos mais tarde, numa gruta siberiana junto à cordilheira de Altai, foram encontrados os ossos que deixou aquela menina híbrida, que teria 13 anos ao morrer. Há quase uma década se sabe que os neandertais, denisovanos e humanos modernos tiveram descendência em algumas circunstâncias, mas nunca havia sido encontrado um filho de um casal misto.” 
Os genomas das duas espécies indicam que elas se separaram há mais de 390.000 anos. Entretanto, continuaram procriando em territórios de fronteiras comuns. Ocorreram relações ocasionais entre as espécies do gênero humano que compartilhavam o mundo há dezenas de milhares de anos. “O genoma de Denisova 11, ou Denny, como foi chamada a garota, mostra que a relação de seus progenitores não era o primeiro cruzamento entre espécies da sua família. O pai também tinha neandertais entre seus antepassados.” 
Sabe-se que os humanos modernos fizeram sexo com neandertais há pelo menos 100.000 anos, e hoje todos os habitantes do planeta, salvo os subsaarianos, têm em seu genoma DNA daquela espécie extinta. 
Afirma Mediavilla: “As incógnitas em torno daquela etapa da humanidade, quando os humanos ainda não tinham imposto sua lei e pelo menos três espécies tremendamente inteligentes compartilhavam planeta e fluxos, são abundantes.” 
“No entanto, trabalhos como o publicado nesta quarta são uma amostra de que a ciência pode abrir janelas inesperadas para o passado. Em 2006, o pesquisador Bruce Lahn, da Universidade de Chicago, propôs que neandertais e humanos tinham intercambiado genes há 40.000 anos.” 
Conforme contou então ao El País, as revistas Science Nature recusaram-se a publicar o trabalho porque consideravam que esse cruzamento era impossível. Em apenas uma década, aquela visão sobre o sexo no Pleistoceno e suas consequências ficou de pernas para o ar.”

Reside aí a beleza do chamado Pensamento Científico: a partir de fatos novos, a compreensão da vida se renova, às vezes muda completamente, dá uma cambalhota, para se renovar mais adiante. Embora necessária, é difícil tolerar a incerteza. Daí o aparecimento do Pensamento Religioso (nada contra a Religião), bem mais primitivo, onde as verdades são dogmáticas, imutáveis, baseadas exclusivamente em crenças, sem o amparo dos fatos.