sexta-feira, 11 de agosto de 2017

tartaruga




navega em silêncio
em contraste o fundo azul
na calma do mar


Foto: Paula Vianna, Austrália, jul 2017.

Não-sonhos


                O tema é momentoso, tanto que foi motivo da crônica de Hélio Schwartsman na Folha de hoje (11/08/2017), com o espalhafatoso título Epidemia mortal.
            Trata-se da gravíssima epidemia de abuso de opioides nos Estados Unidos. Em 2015 o país registrou 52,4 mil óbitos por overdose, dos quais 33.090 tiveram como agente causador opioides legais ou ilegais.
    Os números assustam quando é feita a comparação com mortes no trânsito (35 mil) e por armas de fogo (13,2 mil). A estimativa para 2016 é de um aumento de 19%.
A atual epidemia tem início nos anos 90, quando os médicos americanos começaram a prescrever opioides (drogas inteiramente sintéticas, o que as diferencia dos opiáceos) para reduzir todo tipo de dor, o que foi um sucesso. Porém, a oxicodona e a hidrocodona não eram seguras e geraram grande número de dependentes.
            Interrompo aqui a linha de pensamentos expressos na crônica de Schwartsman e passo a relatar experiência pessoal que acabo de vivenciar, com reflexões que condizem com o tema tratado pelo jornal. Diante de quadro de dor intensa, contínua, incapacitante, causada por doença articular de quadril, foi-me prescrita a oxicodona.
     Santo remédio!
            Além de quase que abolir a dor, a ingestão da droga à noite propiciou-me sono reparador; mais que reparador, acordei com sensação de felicidade indescritível, e relatei a experiência a familiares como tendo “acordado sorrindo”! Os sonhos que tive durante esta primeira noite foram algo inédito para mim, sensações de puro prazer, paz indizível, alegria inaudita, que perduraram até o despertar, sorrindo.
            Na segunda noite de uso da oxicodona, repetiram-se estas sensações, a dor quase que desapareceu, para minha mais completa perplexidade. Não sou usuário de drogas ilícitas e portanto não posso comparar esta minha sensação com o uso de heroína, cocaína ou qualquer outra droga, pois nunca as experimentei. Porém, a comparação pareceu-me inevitável, e pode ser resumida com uma palavra informal: um barato!
            Para minha surpresa, na terceira noite não tive sonhos, tive pesadelos, que se repetiram até o dia do procedimento cirúrgico, quando interrompi o uso da droga. Não estou certo quanto a chamá-los de sonhos: mais pareciam alucinações ou delírios. Melhor classificá-los como não-sonhos, de efeito desagradável e perturbador ainda ao despertar.
            Durante a operação, foi utilizada a morfina; no pós-operatório imediato, acidentalmente, fui acometido de intoxicação pelo uso excessivo de oxiconona  (embora não tão excessivo assim, talvez potencializado pela morfina), diante de dor intratável no membro operado.
            A experiência que procuro relatar aqui, embora fragmentada, foi por mim confrontada – com espanto! – com a crônica de hoje de Schwartsman, a Epidemia mortal. Coincidência?
            Coincidência ou não, é preciso cuidado com o uso da oxicodona, alerta que deve servir aos médicos e usuários. De minha parte, estou feliz por recuperar minha lucidez, a ponto de poder voltar a escrever neste blogue, embora com certa dificuldade, confesso.



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