Lá
vem Luiz Felipe Pondé, espumando ironias e sarcarmos, desde o título de sua crônica
Quem ainda crê que ser ateu implica
querer comer criancinhas?, nesse primeiro dia do ano de 2018.
Diz ele que o tema do ateísmo não lhe interessa (embora trate dele ao
longo de toda a crônica), muito menos as “provas” da existência de Deus. Fala
dos ateus chatos, dos que têm raiva de Deus, daqueles que insistem em dizer que
são bons cidadãos.
E
continua espumando, demolindo com crueza impiedosa as crenças mais comuns a
respeito do que é ser ateu ou ser religioso.
De
repente o texto muda de direção (o autor já expeliu quase toda sua bile) e
torna-se interessante:
“Independentemente dessas questões
risíveis, creio, sim, ser possível um ateu ter vida espiritual, claro, se você
não associar "vida espiritual" a vida religiosa institucional. A
questão que normalmente soa estranha é que a espiritualidade parece nos levar
diretamente a Deus ou similares. Mas isso não é, necessariamente, uma verdade
evidente.”
Pondé ampara-se no
darwinista Edward O. Wilson ("The Meaning of Human Existence", 2014),
que defende a ideia de uma espiritualidade ateia, associada à “indagação acerca
do significado último da existência humana”.
Tal indagação surge em
momentos em que a vida parece não fazer sentido, como nas grandes perdas.
A espiritualidade lida com indagações
como essa. Afirma Pondé: “As religiões respondem a questões como essa,
costumeiramente, oferecendo práticas (leituras, rituais, liturgias e narrativas
cosmológicas) que respondem à indagação acerca do sentido da vida e do
sofrimento. A espiritualidade estaria ligada a questões de sentido da
existência, mas não, necessariamente, dependentes de crenças em divindades.”
E nosso articulista filósofo conclui:
“Não há um sentido último da existência humana a não ser enfrentar essa
contingência absoluta a partir dos meios (frágeis, sim) de que dispomos para
enfrentar um universo que nos devora a cada minuto. Esse sentido passa pela
busca de compreender (cientificamente) este universo e lidar com ele. O darwinismo nos ensina que a existência é
uma batalha sem fim cujo sucesso não é garantido. [O grifo é meu.] O
darwinismo carrega em si uma cosmologia trágica. Enfim, arrancamos o sentido
das pedras.”
Gostei muito desta última frase: é da
Natureza, do estudo da formação e evolução do Universo que podemos, com enorme
dificuldade e passos de tartaruga, construir algum sentido para nossa
existência. A Evolução das Espécies em nosso próprio planeta também nos é de
grande valia. São pensamentos que vão do concreto ao quase abstrato, daí a
possibilidade de dar a isso o nome de Espiritualismo Ateu.
Posso
pensar que o estudo permanente das Artes em geral e da Literatura em particular
ajuda em muito na construção dessa espiritualidade, quer seja religiosa ou ateia.