O leitor pode viver uma experiência interessante
quando, contemporâneo de um certo autor, é capaz de acompanhar desde o
surgimento do seu primeiro livro até a publicação de obras subsequentes.
Torna-se, o leitor, quase que um cumplice do escritor.
Esta é a minha relação
com Bernardo Kucinski. Em 2011 Kucinski lança seu
primeiro romance com o intrigante e sugestivo título K., assim mesmo, a letra
maiúscula seguida de um ponto. A segunda edição sai no ano seguinte pela
Expressão Popular, e em seguida é reeditado pela Cosac Naify. O tema, os
meandros da ditadura militar por volta de 1974, é desenvolvido de forma
magistral, em particular pelo clima de angustiante terror criado pelo autor.
Então, surge a dúvida no leitor, se K. origina-se de Kucinski ou de
Kafka. (Há quem diga que depois de Kafka tudo vem de Kafka...) Grande
sucesso de crítica e público.
Em 2014, novamente pela Cosac Naify, Kucinski lança Você vai voltar para mim e
outros contos, sobre o mesmo tema. As histórias curtas, com linguagem clara e
simples, devem ser lidas aos poucos, para que não intoxiquem o leitor, tamanho
o realismo com que são contadas. Mais uma vez, ficção e realidade se confundem,
nessa tentativa de revisão histórica dos 50 anos do golpe de 64.
No
mesmo ano surge Alice, não mais que de repente (Rocco, 2014), um romance
policial! Há quem torça o nariz para o gênero; não é o meu caso. Não que me
considere um especialista nesse tipo de literatura; minhas leituras resumem-se
a Edgar Alan Poe e Luiz Alfredo Garcia-Roza. Tomei gosto pelo gênero por causa
deste último, um intelectual respeitadíssimo, autor de obras importantes em
Psicologia, Filosofia e Psicanálise, e que depois de maduro publica pelo menos
dez títulos tendo como protagonista o já célebre detetive Espinosa. Trata-se de
literatura da melhor qualidade, e as histórias se passam no bairro do Peixoto,
lugar pequeno, tradicional, encravado em Copacabana.
Agora
o autor, já conhecido e premiado, lança a interessantíssima novela Os
visitantes (Companhia das Letras, 2016). O leitor fica com a impressão de que Kucinski
ainda não se livrou de seu primeiro livro, K., de fato um relato muito forte
dos anos de ditadura militar. Os personagens o assombram através de visitas que
recebe em casa e o censuram, agressivas, cobrando uma posição do autor, que tem
dificuldade para explicar que se trata de um livro de ficção.
Mas é mesmo difícil distinguir
realidade de ficção. É disso que trata o autor neste último livro.
Espero continuar acompanhando sua
brilhante trajetória literária ainda por algum tempo.