segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Capa de livro



uma bela capa
a flor rubra no jardim
chamariz de abelhas


Vendem-se livros principalmente por causa do autor, do conteúdo, do gênero, do título, mas também pela capa. A imagem da capa funciona como um chamariz, palavra oriunda do latim clamare, chamar, convocar, daí chamariz (1813), coisa que chama, que atrai, segundo Antônio Geraldo da Cunha, em seu Dicionário etimológico da língua portuguesa (Lexicon, 2007).
Não desejo tratar aqui de livros medievais feitos à mão, cujas capas eram verdadeiras obras de arte, compostas em marfim, ouro, prata ou madeira de lei. Quero falar mesmo é do chamariz, aquilo que atrai e prende o comprador ao primeiro olhar, pois a capa é o primeiro contato do possível leitor com a obra.
Existe já a figura do capista, designer profissional especializado na elaboração de capas de livros. (Confesso aqui uma ponta de inveja por esse tipo de gente! Eu bem que gostaria de ser um capista... Certa feita me vi às voltas com a elaboração da capa do ótimo livro de Paulo Sergio Viana, Fica limpo! – quase heresias (Perse, 2012), e perdi o sono durante noites seguidas. Informou-me o autor que o resultado não foi dos piores, segundo a reação dos leitores.)
  


A capa mais simples, e às vezes a mais charmosa, é aquela impressa numa única cor, gravados o nome do autor e o título do livro. Se o primeiro é famoso, os tipos têm formato maior e costumam ocupar a parte superior da capa; o nome do livro vem abaixo. Se se trata de um best seller, o título do livro ganha destaque. O nome da editora e seu logotipo podem vir ainda mais abaixo, em letras pequenas. Não é preciso mais nada para se vender e comprar um livro de Shakespeare ou José Saramago.
As edições em capa dura, infelizmente incomuns em nosso país, costumam ser monocromáticas, apresentando muitas vezes uma sobrecapa colorida, esta sim, do tipo chamariz.
Uma boa fotografia, de preferência em preto e branco, também pode fazer uma ótima capa. Um bom exemplo está em Malagueta, perus e bacanaço, de João Antônio, da Cosacnaify (2004), capa de Rodrigo Lacerda e Luciana Facchini.
  


Mas às vezes os editores (ou serão os próprios autores?) complicam. É o caso do excelente O romance morreu, recente livro de crônicas de Rubem Fonseca (veja neste blog, http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2014/12/a-arte-da-cronica.html), cuja capa pareceu-me horrorosa: uma flor murcha ou um velho repolho roxo?
  


Colocar na capa uma reprodução de obra de arte é covardia. O melhor exemplo pode ser encontrado no belíssimo Caravaggio, de Roberto Longhi (Cosacnaify, 2012).
  


Alguém podia até pensar num livro intitulado As melhores e piores capas de livros no Brasil. Porque as piores também chamam nossa atenção! Não foi à toa que Umberto Eco publicou a História da Beleza (Record, 2012) e a História da Feiura (Idem, 2014), e, acredite o leitor, o segundo é bem mais interessante.




Recentemente a Edições de Janeiro (2014) publicou o belo livro Haicai do Brasil, organização e ilustrações de Adriana Calcanhotto, e capa de Raquel Matsushita, que merece destaque ao final desta crônica. Comprei-o primeiro pela capa, o conteúdo veio depois.
  

A Arte da Crônica




             Ao se pensar em crônica no Brasil, como gênero literário, o primeiro nome que salta aos olhos é o de Rubem Braga – esta parece ser uma dessas raras unanimidades nacionais. Dos novíssimos, aprecio J.P. Cuenca e Fernanda Torres. Mas confesso que não conhecia o Rubem Fonseca cronista.
            O autor de A grande arte (1983) é vencedor de cinco prêmios Jabuti, além dos prestigiosos prêmios Juan Rulfo e Camões, este último talvez o mais importante da língua portuguesa. Inconteste, portanto, o valor do autor de Feliz ano novo (1995) e Agosto (1990).
            Nos últimos anos, especialmente com a publicação de Secreções, Excreções e desatinos (2001), e Pequenas criaturas (2002), admito que deixei de lê-lo; em minha precária opinião, tornou-se repetitivo demais, sempre o mesmo formato, perdeu a graça.
            Pois agora surge O Romance morreu (Nova Fronteira, 2014), o excelente livro de crônicas de Rubem Fonseca, que há de colocá-lo entre os melhores do gênero.
            O leitor não se assuste: na primeira crônica, que empresta o nome ao livro, o autor garante que o romance não morreu! Os leitores tornam-se cada vez mais escassos, mas os escritores não desistem, vão resistir.
            A segunda crônica traz um título interessantíssimo e instigante: A pornografia começou com a Vênus de Willendorf? E assim termina:

“Teriam existido e sido destruídas pelos defensores da moral, dos bons costumes, do bom gosto, outras Vênus de Willendorf? Por querer dizer o indizível e mostrar o invisível (aquilo que não deve ser visto), os artistas começaram a sofrer na Idade da Pedra. Mas esses milhares de séculos de coerção não foram fortes e longos o suficiente para destruir no artista a sua coragem de criar – uma das maiores virtudes do ser humano.”

Fonseca, que se diz um cineasta frustrado, conta que foi assistir à filmagem de um episódio de Mandrake, baseado num dos seus contos, Dia dos namorados. Conversa com Marcos Palmeira e é apresentado a Viveca (título da crônica), um travesti. E o autor revela-se intransigente defensor dos direitos de homossexuais, travestis, transexuais, as ideias expostas com equilíbrio e inteligência.
A forma, bem, a forma está impecável neste volume de crônicas.

Precária habitação

A foto do dia.



Numa calçada, no centro de São Paulo, 9 h da manhã.

Foto: Paulo Sergio Viana, dez. 2014.