Iniciar a Correspondência com o Irmão nesse blog é alguma coisa que emociona, entusiasma, arrebata mesmo. Minha postagem Arrependimento, culpa e castigo (1) de 8 de agosto provocou a imediata Resposta (2) do irmão, reproduzida também no Loucoporcachorros. Agora sou eu quem responde ao irmão.
Brilhante como sempre, Paulo inicia seu texto com uma bomba: “Um poema não se justifica”. A frase de efeito é perfeita, além de absolutamente verdadeira. (Aquilo de “poetastro” é puro charme.) O poeta não precisa nem deve justificar-se; ele escreve, o leitor que faça a parte dele. Porém, tanto cutuquei a onça com vara curta que, magnânimo, Paulo resolveu responder. Tolerância e paciência para com o irmão não lhe faltam.
Em primeiro lugar ele resume minhas ideias e considera com propriedade a epígrafe pessoana que grafei: “O poeta é um fingidor...” E Paulo é um grande poeta! Em seguida apresenta sua resposta.
Ele menciona fato que evitei em meu texto, com o qual concordo e agora dou ênfase: o arrependimento “encarado como culpa, com a conotação puramente religiosa que se lhe atribui, de fato, ele se torna autoflagelação descabida.” As religiões, especialmente aquelas de origem judaico-cristã, ouso dizer que inventaram a Culpa, e dela tiram proveito até hoje. Pecar, confessar, receber o perdão após penitência, e voltar a pecar é mecanismo engenhoso que alivia a culpa. Em meu texto anterior salientei que “voltar a pecar” é inevitável e inerente à natureza humana. Alguma coisa vamos aprendendo ao longo da vida, a duras penas, com sofrimento às vezes extremo, e até chegamos a evitar a repetição de determinado erro, mas isso é exceção. Acumular conhecimento é fácil, difícil é a aprendizagem emocional. Desenvolver tolerância para consigo mesmo, reconhecer as circunstâncias que nos levam a equívocos, tornar consciente aquilo que é inconsciente e que nos move até mesmo contra o nosso desejo, tudo isso é bem mais difícil. (A Psicanálise pode ajudar.)
Em seguida, com aguda perspicácia, Paulo afirma que “as palavras têm suas nuances de significado”, e que “arrependimento pode também significar ‘exame de consciência’, ‘autocrítica’, termos que, de fato, não têm lugar no poema. Bem, aqui ouvimos a voz do poeta, o peso que ele dá a cada palavra, a intenção de transmitir o inefável, o penetrar no mundo simbólico da poesia. Culpa já não é mais Culpa, é apenas uma ideia. Paulo apresenta, pois, brilhante solução para o emprego da palavra arrependimento.
Resta o Castigo. Paulo pondera que “não há ninguém que olhe para seus malfeitos sem sentir vergonha, a menos que padeça de amoralidade”, e que “dificilmente se pode evitar o constrangimento de tê-lo cometido”. Vergonha e constrangimento são sentimentos muito fortes, que machucam a alma; desenvolver, sinceramente, a tal tolerância para consigo mesmo pode abrandá-los. Em meu texto anterior assinalei que é mesmo “desconfortável” esta posição de reconhecer o erro e tornar a repeti-lo, mesmo buscando emendar-se. No entanto, que mais podemos fazer?
A prosseguir nessa linha de pensamentos, entramos em terreno pantanoso, movediço, o árduo caminho que persegue a compreensão da Natureza Humana. Mais uma vez, os homens se dividem entre os que creem e os que não creem, e isso faz toda a diferença. Deixemos para outro momento.
É com entusiasmo – e pouca arte – que dou prosseguimento a esta Correspondência com o Irmão. Ele me faz pensar e sou grato por isso.