sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Cresce a correspondência




Iniciar a Correspondência com o Irmão nesse blog é alguma coisa que emociona, entusiasma, arrebata mesmo. Minha postagem Arrependimento, culpa e castigo (1) de 8 de agosto provocou a imediata Resposta (2) do irmão, reproduzida também no Loucoporcachorros. Agora sou eu quem responde ao irmão.
            Brilhante como sempre, Paulo inicia seu texto com uma bomba:  “Um poema não se justifica”. A frase de efeito é perfeita, além de absolutamente verdadeira. (Aquilo de “poetastro” é puro charme.) O poeta não precisa nem deve justificar-se; ele escreve, o leitor que faça a parte dele. Porém, tanto cutuquei a onça com vara curta que, magnânimo, Paulo resolveu responder. Tolerância e paciência para com o irmão não lhe faltam.
            Em primeiro lugar ele resume minhas ideias e considera com propriedade a epígrafe pessoana que grafei: “O poeta é um fingidor...” E Paulo é um grande poeta! Em seguida apresenta sua resposta.
            Ele menciona fato que evitei em meu texto, com o qual concordo e agora dou ênfase: o arrependimento “encarado como culpa, com a conotação puramente religiosa que se lhe atribui, de fato, ele se torna autoflagelação descabida.” As religiões, especialmente aquelas de origem judaico-cristã, ouso dizer que inventaram a Culpa, e dela tiram proveito até hoje. Pecar, confessar, receber o perdão após penitência, e voltar a pecar é mecanismo engenhoso que alivia a culpa. Em meu texto anterior salientei que “voltar a pecar” é inevitável e inerente à natureza humana. Alguma coisa vamos aprendendo ao longo da vida, a duras penas, com sofrimento às vezes extremo, e até chegamos a evitar a repetição de determinado erro, mas isso é exceção. Acumular conhecimento é fácil, difícil é a aprendizagem emocional. Desenvolver tolerância para consigo mesmo, reconhecer as circunstâncias que nos levam a equívocos, tornar consciente aquilo que é inconsciente e que nos move até mesmo contra o nosso desejo, tudo isso é bem mais difícil. (A Psicanálise pode ajudar.)
            Em seguida, com aguda perspicácia, Paulo afirma que “as palavras têm suas nuances de significado”, e que “arrependimento pode também significar ‘exame de consciência’, ‘autocrítica’, termos que, de fato, não têm lugar no poema. Bem, aqui ouvimos a voz do poeta, o peso que ele dá a cada palavra, a intenção de transmitir o inefável, o penetrar no mundo simbólico da poesia. Culpa já não é mais Culpa, é apenas uma ideia. Paulo apresenta, pois, brilhante solução para o emprego da palavra arrependimento.
            Resta o Castigo. Paulo pondera que “não há ninguém que olhe para seus malfeitos sem sentir vergonha, a menos que padeça de amoralidade”, e que  “dificilmente se pode evitar o constrangimento de tê-lo cometido”. Vergonha e constrangimento são sentimentos muito fortes, que machucam a alma; desenvolver, sinceramente, a tal tolerância para consigo mesmo pode abrandá-los. Em meu texto anterior assinalei que é mesmo “desconfortável” esta posição de reconhecer o erro e tornar a repeti-lo, mesmo buscando emendar-se. No entanto, que mais podemos fazer? 
            A prosseguir nessa linha de pensamentos, entramos em terreno pantanoso, movediço, o árduo caminho que persegue a compreensão da Natureza Humana. Mais uma vez, os homens se dividem entre os que creem e os que não creem, e isso faz toda a diferença. Deixemos para outro momento.
            É com entusiasmo – e pouca arte – que dou prosseguimento a esta Correspondência com o Irmão. Ele me faz pensar e sou grato por isso.





Resposta de Paulo Sergio

Resposta


Um poema não se justifica. Mesmo em se tratando de modesta trova, como a que postei aqui há poucos dias https://blogdopaulosergioviana.blogspot.com/2019/08/castigo.htm
 mesmo quando vem da lavra de rematado poetastro - o poema paira acima, e sempre, das mesquinhas razões humanas. Pode ser analisado, criticado, dissecado, mas nunca justificado. 
Para minha surpresa, aquelas pobres quatro redondilhas mereceram de André Vianna um comentário brilhante, elegante e judicioso, em seu blog (https://loucoporcachorros.blogspot.com/2019/08/arrependimento-culpa-e-castigo.html) . 
Confesso que me senti lisonjeado e espantado com a quantidade de apurados pensamentos que a minha trovinha suscitou. Tantos e tais pensamentos instigantes, que me vem o desejo de responder a eles. Que me perdoem a inconveniência: longe de mim o desejo de justificar o poeminha.
André, com a ênfase que lhe é característica, pondera:
- o poeta, sendo por definição fingidor, trata de momentos (circunstâncias) de sua vida, que se expressam em versos: trata de sentimentos momentâneos;
- arrependimento é irmão gêmeo da culpa;
- culpa “constrói o calabouço” do martírio, da autoflagelação, que nada constrói na estrutura mental do culposo;
- embora seja necessária a humildade de reconhecer os erros, não cabe a culpa, pois ”são inerentes à constituição“ do sujeito, são inevitáveis, próprias do humano (às vezes demasiado humano);
- reconhecer o erro é uma posição desconfortável, mas a culpa não redime.

Vejamos:
Tudo gira em torno do castigo representado pelo ”arrependimento“. Encarado como culpa, com a conotação puramente religiosa que se lhe atribui, de fato, ele se torna autoflagelação descabida. No entanto, as palavras têm suas nuances de significado.  Leia-se uma das definições de ”arrependimento“, no dicionário Caldas Aulete: ”Mudança de opinião ou de atitude em relação a fatos passados“. Arrependimento pode também significar, portanto, ”exame de consciência“, ”autocrítica“, termos que não caberiam numa trova, por serem excessivamente desprovidos de poesia. Fora, assim, do peso da culpa.
Alguém dirá: se é assim, por que chamá-lo ”castigo“? A resposta é singela: porque não há ninguém que olhe para seus malfeitos sem sentir vergonha, a menos que padeça de amoralidade. Mesmo sabendo que o erro é inerente ao humano, dificilmente se pode evitar o constrangimento de tê-lo cometido. Não fora assim, e o homem não ficaria motivado a emendar-se.
Para tal castigo, só vejo uma solução: rir de si mesmo, das próprias trapalhadas, vida afora.
Ou, sendo fingidor, fingir que é dor a dor que deveras sente...


Exclusão

Galeria de Família



A Galeria Familiar pode conter fatos interessantes, além de simples imagens, registros da memória perdida.
            Um desses fatos pode ser contado através da fotografia de um belo guarda-louças, utilizado como estante para porta-retratos, no apartamento onde morava Ondina, em Lorena – SP.
            Na primeira prateleira encontram-se os retratos dos três filhos. As dimensões das fotos podem sugerir as mais variadas especulações, especialmente pela diferença entre os extremos. Isso sempre me incomodou, embora Ondina alegasse que não dispunha de melhor registro da filha. 
            Abaixo, a foto não está boa, mas registra festa de aniversário ou casamento, onde estão Paulo, uma das filhas e esposa.
            Na terceira prateleira , à direita, Cecília e Paula, Nara e Flora, ainda crianças. À esquerda, o fato em questão: Paulo, Ondina e Ofir, escondido atrás de um recorte de jornal sobreposto à fotografia, mostrando um rosto de mulher! Brigada com o marido, a mulher excluiu-o até mesmo do retrato. Cômico se não fosse trágico.



Detalhe

Foto: AVianna, Lorena, SP