Escrito
em novembro de 1915, o ensaio de Freud intitulado A transitoriedade foi escrito
a pedido da Sociedade Goethe de Berlim, para um volume do qual participavam
outros escritores, em homenagem ao grande poeta alemão. Privilegiava-se,
portanto, a literatura, e Freud foi escolhido exatamente por seus dotes
literários, comprovados mais uma vez pelo ensaio cujo início aqui transcrevo,
na tradução de Paulo César de Souza:
“Não faz muito tempo empreendi, num dia de verão, uma caminhada
através de campos sorridentes na companhia de um amigo taciturno e de um poeta
jovem mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário à nossa volta, mas
não extraía disso qualquer alegria. Perturbava-o o pensamento de que toda
aquela beleza estava fadada à extinção, de que desapareceria quando sobreviesse
o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens
criaram ou poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria
amado e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à
transitoriedade.” (1)
Freud
não acredita nessa visão pessimista do poeta e refuta-a veementemente:
“Pelo contrário, significa maior valorização! Valor de
transitoriedade é valor de raridade no tempo. A limitação da possibilidade da
fruição aumenta a sua preciosidade. É incompreensível, afirmei, que a ideia da
transitoriedade do belo deva perturbar a alegria que ele nos proporciona.”
E o criador da
Psicanálise completa sua argumentação com uma frase de grande efeito estético:
“Se existir uma flor que floresça apenas uma noite, ela não nos
parecerá menos formosa por isso.”
O que Freud
ressalta, antes de mais nada, é o “valor da realidade”, em oposição a uma
“ilusão, ao desejo ardente de salvaguardar o que amamos, a esse sentimento
lírico que anima os sentimentos e o pensamento do poeta”, nas palavras de
Edmundo G. Mango (Freud com os escritores, J.-B. Pontalis e E.G Mango, Três
Estrelas, 2013).
Reconhecer esta
realidade, eis a questão! Da mesma maneira, podemos pensar que é fundamental
reconhecer os momentos de felicidade. A partir das ideias de Freud é possível estabelecer
uma analogia entre Beleza e Felicidade. Tão importante quanto reconhecer a
realidade, não se deixando enganar pela ilusão do desejo, é saber reconhecer os
momentos desse sentimento a que chamamos felicidade. Há os que se iludem ao
pensar que felicidade deve ser, ou pode ser, um estado de espírito permanente,
o que não existe neste mundo, onde as frustrações preponderam. Para estes, como
não pode ser permanente, então a felicidade não existe, o que gera profundo
sentimento de melancolia.
A felicidade existe –
mesmo que momentânea –, e é preciso saber reconhecê-la, considerando sempre a
realidade. A felicidade se esconde nas coisas mais simples, despretensiosas,
como uma boa conversa entre dois irmãos. Às vezes vamos encontrá-la numa radiosa
manhã de sol à beira mar, em um bom livro, num ótimo filme capaz de proporcionar
rica troca de ideias entre dois amantes, e sobretudo na relação amorosa.
Porém, como a flor
que se abre apenas em uma noite, a felicidade é sempre transitória.