quinta-feira, 10 de maio de 2018

Duas cruzes

fotominimalismo



Foto: AVianna, abr 2018

Suzete gostou do Chapinha


Querido André,

acabo de ler o conto Chapinha que você postou ontem no blog e respondo imediatamente, pois gostei muitíssimo. (Também gostei da dedicatória!) Não senti ciúme, ao contrário, vi a valorização da classe, não estou sozinha ao gostar de ler e escrever, ou de virar assunto para escritor. Então aquela cabeleireira anônima não podia ela mesma escrever suas próprias histórias? Assunto não haveria de faltar. 
            Você se lembra do meu caso com o Afonso? Dois meses de lero-lero e pronto, casamento. (Ele parecia tão bonzinho, professor de português, gostava de ler, até escrevia!) Deu no que deu, tragédia shakespeariana, até hoje não me recuperei do trauma.
            Mas fiquei esperta, assim espero. Pois não é que outro dia me aparece outro galã no salão, querendo cortar cabelo e aparar a barba! Aliás, devo dizer que agora está uma febre de barba que não acaba mais e cada homem quer sua barba cortada de um jeito – mais fina mais grossa com bigode sem bigode e eles não param de se olhar no espelho, alisam o rosto com as mãos, Tira mais um pouco aqui, e lá vou eu com paciência de Jó, Apara mais no pescoço, parecem umas mocinhas. Você pode me explicar o que está acontecendo com os homens, André? De vez em quando você fala num tal de narcisismo, será isso? (Ou, como se diz na minha terra, será viadagem mesmo?) Sem falar nas tatuagens, coisa horrorosa, ar de sujeira!
            Voltemos ao galã. De fato, era bonito o homem. Não vou descrevê-lo aqui, apenas destacar que tinha olhos verdes e cabelos pretos. André, mas quando ele abriu a boca foi um deus-nos-acuda. Nóis vai pra cá, nóis fumo pra lá, perguntei de onde ele era e respondeu que era do interior Minis, Minas Gerais?, perguntei, ele confirmou, Minis. Foi aí que resolvi me vingar e atirei-lhe uma gracinha, Pois saiba que interior de Minas é um baita pleonasmo, porque Minas não tem litoral. O rapagão ficou a me olhar com ar abestado e perguntou, Préo o que? É pleonasmo, mas deixa pra lá. E a conversa morreu por aí, não olhei mais para aqueles belos olhos verdes.
            Também não me vinguei no corte do cabelo, não seria profissional, mas sabe que tive vontade? Tem homem agora que pede para escrever na cabeça, raspando o cabelo com navalha até formar uma palavra ou até uma frase. Jogador de futebol adora. Pensei em escrever:

BESTA QUADRADA

            Corria o risco de perder o emprego, até levar um tiro! Pois cortei direitinho, do jeito que ele pediu, estilo Neymar. Aliás – você não vai acreditar, André! – tem homem que leva revista com fotografia do jogador, para explicar como deseja o corte. (Isso de escrever entre dois travessões, e que acho lindo, aprendi com você!) É, sei não, acho que é mesmo viadagem...
            Desculpe estar falando essas bobagens pra você, é que me deu vontade de escrever, e quando escrevo, escrevo o que me vem na cabeça, e cabeça de cabeleireira tem dessas coisas. Queria mesmo era agradecer pela dedicatória no blog e enviar um abraço bem apertado.
            Da sempre sua,
                                                Suzete.



Os que não conhecem a tragédia a qual se refere Suzete, podem encontrá-la em Folhetim, neste mesmo blog.

David Goodall decide morrer



David Goodall, 104, durante entrevista em Basel, na Suíça
Stefan Wermuth/ Reuters

            
“Eu não estou feliz, eu quero morrer.” 
Foi o que declarou o cientista inglês David Goodall, que aos 104 anos decidiu optar por um suicídio assistido para abreviar sua existência. 
A decisão exige pleno estado de consciência, maturidade, sanidade mental comprovada por profissionais competentes através avaliação criteriosa realizada caso a caso.
Em tais condições, penso que a decisão sobre continuar vivendo ou morrer deve mesmo ser individual, sem qualquer interferência do Estado ou de quem quer que seja. 
Mais difícil é enfrentar o julgamento moral dos que ficam, o que certamente fere a dignidade daquele que decide morrer. 
         Tais ideias e sentimentos expressam minha vontade de decidir sobre minha própria vida, quando chegar minha hora – a hora que eu escolher. Entretanto, antevejo sérias dificuldades, pela tal interferência do Estado e da sociedade.