O Carnaval deste ano não
termina nunca, “parece exorcismo”, segundo Macaco Simão. Também pudera, largar
a folia, a bebedeira, homem vestido de mulher, mulher sem vestido, para
enfrentar a crise por que passa o país, saber das delações de todo dia, das
falcatruas, melhor continuar no samba.
Mas já é possível avaliar algum rescaldo do Carnaval,
número de acidentes nas estradas, número de mortos e feridos, tiros, facadas,
agressões a mulheres, essas intercorrenciazinhas próprias do chamado reinado de
Momo.
Uma dessas intercorrências repete-se a cada ano, a população
esperneia, a mídia dá destaque, nada resolve: no Carnaval seguinte será a mesma
porcaria. Refiro-me ao ato de fazer xixi na rua. Quanto mais compactos os
blocos, mais xixi escorrendo perna abaixo e, consequentemente, escorrendo pelo
asfalto. Um mar de xixi.
Os banheiros sanitários pouco alteraram esta calamidade
pública. Em algumas cidades como Olinda – o relato é de um amigo que brincou
num bloco de rua – o mijo escorre ladeira abaixo, possivelmente vai dar no mar no Recife, ninguém sabe ao certo onde vai dar tanto mijo, como no sangue escorrendo pela
rua em Crônica de uma morte anunciada,
de Gabriel Garcia Marques, se não me falha a memória... Mas o cheiro é forte,
inconfundível!
De onde virá tal costume, que se arrasta anos a fio?
Tornou-se um hábito? Faz parte do Carnaval?
Encontrei a resposta em Mary Del Priori, em seu magnífico
Histórias da Gente Brasileira, Império,
volume 2 (Leya, 2016), no delicioso capítulo Cantando no banheiro:
“O
tratamento dado aos dejetos líquidos gerava frequentes queixas dos moradores,
porque outro hábito comum na cidade era o despejo dos penicos do alto dos
sobrados, sem perdoar o caminhante que passava distraído pela rua, a qualquer
hora do dia ou da noite. Algozes ficavam à espreita por trás das janelas dos
sobrados, esperando algum desafeto passar para “honrá-lo” com excrementos
atirados pela janela. A situação era tão séria que, em 1831, a Câmara Municipal
do Recife editou um regulamento determinando que o arremesso de “águas
servidas” para a rua só poderia ser feito à noite, e, mesmo assim, após ter
dado um aviso prévio por três vezes seguidas: “Água vai!... Água vai!... Água
vai!...”
Donde se conclui que melhoramos consideravelmente nossos
hábitos, não se mija mais na cabeça dos passantes, mija-se nos muros, nos pés
de árvore, no meio da rua, que o bloco não pode parar. É preciso ler essas histórias
para conhecer melhor a gente brasileira.
E salve a Educação!
Ilustração: escravos jogando dejetos domésticos no mar, Histórias da Gente Brasileira, p. 191.