sexta-feira, 19 de abril de 2013

Quem precisa de senha preferencial?


Em memória de meu pai,
ex-funcionário do Banco do Brasil.

Se você é idoso e vai ao banco e tem pressa, não opte pela senha preferencial. Cuidado, pode ser uma armadilha! Se você é idoso e vai ao banco, mas não tem pressa, então pegue uma senha preferencial.
Explico!
O leitor já reparou como os bancos andam sempre repletos de pessoas mais velhas? São inumeráveis as razões para este fato inconteste. Os jovens de hoje resolvem seus problemas pela Internet, especialmente os bancários: boletos a pagar, transferências, DOCs, TEDs, saldos, extratos, investimentos, cartões, créditos, etc. Os velhos lidam mal com o computador, carregam o vício ancestral de preferir resolver pessoalmente os seus encargos, cultivam o mau hábito do olho no olho.
Os jovens têm sempre algo a mais a fazer, e com pressa. Os idosos, muitos deles aposentados, desejam gastar o tempo no fazer. Se para o moço ir ao banco ou ao supermercado é uma tortura, para o velho, isso pode se constituir na tarefa mais excitante do dia!
Ricardo descobre que a cerveja acabou; pega o carro, acelera, encontra uma brecha entre dois caixas, vai direto à gôndola da cerveja, já sabe onde está a marca preferida, passa pelo caixa sem levantar os olhos para a moça atrás da máquina registradora, nunca quer CPF na nota, volta correndo para casa; diante da tv, estica os pés sobre a mesinha de centro e bebe sua cerveja.
O velho só descobre que o remédio acabou quando não resta um único comprimido. Cadê a receita? Cadê o dinheiro? Que farmácia? Chatice ter que ligar o carro. Será que pega? Mas ele chega lá; estacionar é sempre difícil; ele já conhece a balconista, Sandrinha como vai?!, E as crianças?, Vão bem Seu Adamastor, E o senhor como está passando?, Como Deus quer, minha filha, como Deus quer... A conversinha vai longe, até que ele resolve pedir o remédio. Qual a posologia do broncodilatador, Seu Adamastor: 200 mg ou 400 mg? Esqueci! No caixa, a história se repete, Como vai Magali?, E as crianças? Ao retornar à casa, toma o remédio, liga a tv, e dorme.
Conheci um senhor, idoso naturalmente, que para se livrar da mulher rabugenta ia ao supermercado 3, 4, até 5 vezes ao dia: fazia compras à prestação, mas conhecia da caixa à faxineira, passando pela gerente gostosona. Lá ele era amigo do rei!
Mas este lero-lero todo é para chegar à senha preferencial!
Ontem fui ao banco. Cheguei 30 minutos antes da hora de abertura e havia fila para a retirada da senha. Fila para pegar a senha? Verdade! A máquina que emitia as senhas ainda não fora ligada. Então tive tempo de sobra para observar a situação: havia 14 pessoas à minha frente, das quais 13 eram idosos! E a conversa rolava animada!
– Esse país é uma esculhambação! Onde já se viu fila para pegar a sena! Por que não vamos direto ao caixa e lá fazemos a fila?
– Porque o caixa só abre às 11, respondeu o velho mau humorado.
– Que nada, gritou a barraqueira, isso é falta de organização, por que não ligam a máquina da senha mais cedo? Bando de vagabundos!
– É o governo, é o governo! Esses filhos da puta só querem o nosso voto!
A coisa começava a esquentar.
– O senhor não acha?, perguntou-me o velhinho que acabara de chegar e postou-se atrás de mim, puxando conversa.
– Acho..., respondi baixinho.
            Fiz uma recontagem rápida da fila à minha frente: eram mesmo 14 pessoas, 13 idosos. Pensei, eles terão dificuldade para ler o número da senha que será exibida no painel eletrônico.  O sinal da senha seguinte, nem pensar, não ouvirão. Quando identificarem que é a vez deles, custarão a se levantar, e mais ainda para descobrir onde fica o guichê. A velhinha então começará a procurar a conta na bolsa cheia de badulaques. Depois será a contagem do dinheiro. Ou, Ai Jesus!, esqueci a senha do cartão! O senhor pode  ver o meu saldo? O senhor sabe, esta conta é da minha filha, mas ela está com dificuldades, o senhor sabe, então estou pagando por ela, que eu mesmo já paguei a minha, o senhor sabe, nunca atraso meus pagamentos...
            Despertei subitamente deste devaneio quando, às 11 em ponto, o guarda abriu o banco para o público – nada neste país é mais pontual que a abertura e o fechamento dos bancos – e a máquina da senha começou a funcionar. Quando chegou a minha vez, peguei uma senha comum, fui o segundo a ser atendido, e bem rapidamente.
Ao sair, 12 velhinhos conversavam animadamente, cada um com sua senha preferencial. Ontem, eu estava com pressa. Amanhã, pego a preferencial.