terça-feira, 17 de novembro de 2015

Nunca dê a mão a uma cigana


              Dr. Francelino Queiroz de Almeida Barros era um desses homens nascidos em berço de ouro, estudado, profissional competente, engenheiro sócio de uma construtora, bem casado. Este último aspecto merece detalhamento, não é tão simples quanto os demais, o casamento era uma pedrinha no sapato de Francelino.
            Dona Eugênia, ao contrário do marido, viera de família pobre, numerosa, ela formada pela Escola Normal da cidade do interior, e exercera a sagrada profissão de professora primária por apenas um ou dois anos, para ajudar nos rendimentos familiares. Casou-se cedo. Foi amor à primeira vista! Francelino encantou-se por ela, e a despeito da beleza da mulher, havia mais alguma coisa que o noivo não conseguia desvendar, e que a tornava ainda mais cobiçada. Esta característica, a sagacidade, não sabemos se algum dia o marido chegou a percebê-la.
            Dez anos de casamento, dois filhos maravilhosos, a vida do casal transcorria numa paz de causar inveja aos amigos da família, exceto por aquele inconfessável desconforto sentido por Francelino, expresso mais claramente pelo fato indiscutível de que, quem mandava em casa era Dona Eugênia. O marido ganhava dinheiro mas quem dava as ordens era a esposa, simples dona de casa.
            Mandava em tudo! No orçamento familiar, na vida das crianças, nos investimentos financeiros, na aquisição de imóveis, na arrumação da casa, evidentemente. Ao marido restava trabalhar.
            Até que certo dia, o engenheiro em visita a uma grande obra em andamento, Francelino foi abordado por uma cigana, que queria porque queria ler-lhe a mão, e tanto fez – como são perseverantes as ciganas em seu duro ofício de ganhar uns trocados à custa da ingenuidade alheia! – que o engenheiro consentiu. E voltou para casa feliz da vida, rindo à toa, pronto para pregar uma peça na esposa.
            – Eugeniazinha, você não sabe o que me aconteceu hoje. Uma cigana me disse que vou ficar viúvo e milionário!
            Palavras que foram seguidas por sonoras gargalhadas. Dona Eugênia não gostou. Ouviu em silêncio, recolheu-se em seu quarto, não desceu para o jantar.
            Na manhã seguinte a mulher levantou-se numa disposição invejável. Sorridente, prestimosa para com o marido e filhos, preparou farto café da manhã, avisou ao marido que precisavam conversar antes que ele saísse para o trabalho. Agora foi Francelino quem não gostou daquele esbanjamento de felicidade. O antigo desconforto voltou.
            – Meu bem, vamos direto ao assunto. Só há uma maneira de você tornar-se um viúvo milionário: eu ganho na loteria e imediatamente tenho um infarto. Portanto, a partir de hoje, você me dê dois mil reais por semana, faço o jogo, deixo os números para você conferir. Ah!, mais uma coisinha, preciso trocar de carro.
            – Você não está gastando demais, Eugeniazinha?!
            – Veja o que disse a cigana! Eu tenho que aproveitar a vida que me resta...
            Francelino precisou trabalhar um pouco mais para fazer frente às novas despesas. O carro foi vingança pelas gargalhadas do marido e pura ostentação. Dona Eugênia caprichou mesmo foi nas joias; colares de pérolas, anéis de brilhante, reluzentes pulseiras de ouro, um ótimo investimento, ela não cansava de alardear.
            O que o marido não ficou sabendo nem suspeitou foi que a mulher recolhia o dinheiro destinado ao jogo de azar, mas não jogava; preenchia a cartela da mega-sena e entregava ao marido, para que ele conferisse os números. O dinheiro, investia em nome dos filhos.
            Passaram-se os anos. Toda vez que Francelino esboçava uma queixa, a de que os gastos estavam excessivos, Dona Eugênia repetia a frase de sempre:
            – Olha a cigana!
            O marido calava, num arrependimento atroz por ter revelado o vaticínio, e por ter gargalhado ao contar o fato à mulher. Talvez este último aspecto tivesse pesado mais que a própria profecia. Restava-lhe trabalhar mais e mais.
            Até que a mega-sena acumulou durante várias semanas. O prêmio era uma verdadeira fortuna, o maior a ser pago em toda a história da loteria. O país alvoroçou-se, as pessoas encheram-se de sonhos, planos não faltavam de como gastar toda aquela dinheirama. Aliás, parecia impossível gastar tanto dinheiro!
Dona Eugênia não mudou uma vírgula em sua rotina: recebeu o dinheiro da semana, deu-lhe o destino de sempre, entregou a cartela inútil ao marido, foi cuidar da vida.
            No dia seguinte Francelino entrou em casa aos gritos:
            – Eugeniazinha, você ganhou sozinha a mega-sena! Ganhou sozinha! Estamos milionários!
            Dona Eugênia, ao ouvir o marido, caiu fulminada, como que atingida por um raio em dia de céu azul. Infarto mortal.
            A cigana havia acertado apenas metade da profecia; Francelino tornou-se um homem triste, e viúvo.

            

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