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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Se me perguntam...

 



Se me perguntam que manifestação será a mais legítima nesses dias sombrios que vivemos, respondo que é a de Indignação. Impossível não se indignar diante de mais de 600.000 mortes de compatriotas nossos, grande parte das quais poderia ter sido evitada. José Saramago, nosso Nobel da Língua Portuguesa, não cansava de enfatizar que não podemos perder a capacidade de nos indignar.

 

Se me perguntam que pré-requisito dever ser exigido em toda e qualquer manifestação, respondo que é a Verdade. O fenômeno das fake news, tão difundido por parcela da população que se identifica com os governos de extrema direita em todo o mundo, deve ser deve ser visto como praga tão letal quanto o coronavírus. A mentira propaga a morte cultural de uma sociedade e deve ser combatida sem descanso.

 

            Se me perguntam qual a forma de manifestação mais adequada para o momento, respondo que todas as formas são válidas e necessárias, exceto as que se utilizam da Violência. Cabem manifestações pacíficas de rua, artigos publicados em jornais e revistas, postagens em redes sociais, sites e blogs, discussão em variados grupos e universidades, entrevistas no rádio e televisão, enfim, tudo que possa levar informação confiável à população. O bom uso da palavra será sempre indispensável, com respeito à língua e às pessoas, com civilidade, sem grosserias, forma digna de demonstrar empatia para com os mais desvalidos.

 

            Se me perguntam que outra manifestação fundamental precisa ser exercida em prol de um país melhor, de um mundo melhor e mais justo, repondo que é aquela em defesa intransigente da Educação. Apenas a Educação haverá de permitir que o povo saiba escolher com razoável propriedade seus governantes, e exigir que estes cuidem da saúde e bem-estar social do país. O incentivo à Leitura é meio relativamente simples e bastante eficaz; Antonio Candido afirmava que “a literatura é, ou ao menos deveria ser, um direito básico do ser humano, pois a ficção/fabulação atua no caráter e na formação dos sujeitos”. 

 

Se me perguntam qual esteio deve amparar nossa manifestação em defesa de valores éticos, respondo que é a Ciência. O progresso lento, porém contínuo, que a Ciência apresenta ao longo da História a qualifica como porto seguro para a humanidade. A Ciência não sabe tudo, não pode tudo – ela é produto do homem e sua falibilidade –, mas aprendeu a reconhecer seus próprios erros e corrigi-los através da busca incansável da verdade. Apoiar o desenvolvimento da ciência e tecnologia é dever de todo governo inteligente e responsável.

 

            Se me perguntam que manifestação deverá ser evitada a todo custo, respondo que é aquela que defenda qualquer forma de Fundamentalismo. Este é o nascedouro de radicalismos extremos, políticos, religiosos ou de qualquer natureza, nutridos pela intolerância às diferenças. O ódio é seu alimento.

 

            Se me perguntam o que não deve ser permitido nesses dias sombrios, respondo que é a Omissão, verdadeira manifestação de cegos surdos que não desejam nem sabem pensar, os chamados negacionistas. 

 

 


Em tempo:

 

O tema do Lugar de Fala, da revista Cult, para o mês de setembro foi “Manifestação”. Perdi o prazo para o envio, de modo que meu texto não pôde ser publicado. 

Aparece agora no blog.

 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Réplica de Deneuve




Manchete: Atriz Catherine Deneuve pede desculpas a vítimas de assédio sexual.
Data: 14 Jan 2018.

Após colocar sua assinatura em carta em defesa da "liberdade de importunar" dos homens divulgada na semana passada, a atriz francesa Catherine Deneuve, 74, pediu desculpas às vítimas de assédio sexual em um texto publicado na noite deste domingo no site do jornal Liberation.
Diz ela: "Cumprimento de modo fraterno todas as vítimas de atos odiosos que possam ter se sentido agredidas por este texto publicado no Le Monde. É a elas, e apenas a elas, que apresento minhas desculpas".
"Efetivamente assinei a petição (...) Sim, amo a liberdade. Mas não amo essa característica da nossa época em que todos se sentem no direito de julgar, ser árbitros, condenar", explica Deneuve.
"Uma época em que simples denúncias nas redes sociais geram punições, demissões e, com frequência, linchamentos na mídia (...) Não desculpo nada. Não decido sobre a culpa desses homens, já que não estou qualificada para isso. E poucos estão", afirma Deneuve.
"Vão queimar Sade? Classificar Leonardo Da Vinci como um artista pedófilo? Tirar os Gauguin dos museus? Destruir os desenhos de Egon Schiele? Proibir os discos de Phil Spector? Este clima de censura me deixa sem voz e preocupada com o futuro de nossas sociedades."
"Evidentemente, nada no texto afirma que o assédio tem algo de bom, do contrário não o teria assinado", afirma a atriz.
Para Deneuve, "a solução virá da educação de nossos meninos e meninas".

Este blogueiro, que tem postado textos sobre a polêmica do “assédio”, concorda integralmente com a última frase dita por Deneuve.


Foto: AFP

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Resposta das feministas francesas

Resposta do grupo feminista, na tradução da filósofa da UFRJ, Tatiana Roque:

"Os porcos e seus (suas) aliado(a)s têm razão de se inquietar
Cada vez que os direitos das mulheres progridem, que as consciências acordam, as resistências aparecem. Em geral, elas tomam a forma de um “é verdade, mas...”. Com diversas militantes feministas, respondemos à tribuna do Le Monde.
Este 9 de janeiro tivemos direito a um “#Metoo é legal, mas....”. Nada realmente novo nos argumentos utilizados. Encontramos os mesmos argumentos no texto publicado no Le Monde no trabalho, em torno da máquina de café ou em refeições familiares. Esta tribuna é um pouco o colega incômodo ou o tio cansativo que não entendem o que está acontecendo.
"Arriscaríamos ir muito longe". Sempre que a igualdade avança, mesmo que meio milímetro, as boas almas imediatamente nos alertam para o fato de que arriscamos cair no excesso. No excesso, estamos totalmente dentro. É aquele do mundo em que vivemos. Na França, todos os dias, centenas de milhares de mulheres são vítimas de assédio. Dezenas de milhares de agressões sexuais. E centenas de violações. Todos os dias. A caricatura está aí.
"Não se pode mais dizer nada". Como se o fato de nossa sociedade tolerar - um pouco - menos do que antes as propostas sexistas, assim como as propostas racistas ou homofóbicas, fosse um problema. "Nossa! Era francamente melhor quando podíamos chamar as mulheres de vagabundas tranquilamente, hein?". Não. Era pior. A linguagem tem influência no comportamento humano: aceitar insultos contra as mulheres significa, na verdade, autorizar as violências. O controle de nossa língua é um sinal de que nossa sociedade está progredindo.
“É puritanismo”. Fazer com que as feministas pareçam travadas ou mesmo mal-amadas: a originalidade das signatárias da tribuna é... desconcertante. A violência pesa sobre as mulheres. Todas. Pesa sobre nossos espíritos, nossos corpos, nossos prazeres e nossas sexualidades. Como imaginar, só por um instante, uma sociedade liberada, na qual as mulheres disponham livremente e plenamente de seus corpos e de suas sexualidades, enquanto uma em cada duas declara já ter sofrido violência sexual?
“Não se pode mais paquerar”. As signatárias da tribuna misturam deliberadamente uma relação de sedução, baseada no respeito e no prazer, com uma violência. Misturar tudo é prático. Permite colocar tudo no mesmo saco. No fundo, se o assédio ou a agressão são “a paquera pesada”, é que não é tão grave. As signatárias se enganam. Não há uma diferença de grau entre a paquera e o assédio, mas uma diferença de natureza. As violências não são “sedução exagerada”. De um lado, considera-se a outra como igual, respeitando seus desejos, quaisquer que sejam. De outro, como um objeto à disposição, sem ligar para seus próprios desejos nem para seu consentimento.
“É responsabilidade das mulheres”. As signatárias falam sobre a educação a ser dada às meninas para que elas não se deixem intimidar. As mulheres são, portanto, designadas como responsáveis por não serem agredidas. Quando colocaremos a questão da responsabilidade dos homens de não estuprar ou agredir?
As mulheres são seres humanos. Como os outros. Temos direito ao respeito. Temos o direito fundamental de não sermos insultadas, assobiadas, agredidas, estupradas. Temos o direito fundamental de vivermos nossas vidas em segurança. Na França, nos Estados Unidos, no Senegal, na Tailândia ou no Brasil: este não é o caso hoje. Em nenhum lugar.
As signatárias são, em sua maior parte, reincidentes na defesa de pedófilos ou de apologias ao estupro. Elas usam, mais uma vez, sua visibilidade midiática para banalizar a violência sexual. Elas desprezam de fato as milhões de mulheres que sofrem ou sofreram essas violências.
Muitas delas estão, frequentemente, prontas a denunciar o sexismo quando vem de homens de bairros populares. Mas a mão na bunda, quando é exercida por homens de seu meio, tem a ver, segundo elas, com o "direito de importunar". Essa estranha ambivalência permite apreciar seu apego ao feminismo que elas reivindicam.
Com este texto, elas tentam recolocar a camisa de força que começamos a retirar. Elas não conseguirão. Nós somos as vítimas de violência. Não temos vergonha. Estamos de pé. Fortes. Entusiastas. Determinadas. Vamos acabar com as violências sexistas e sexuais.
Os porcos e seus (suas) aliado(a)s estão preocupados? É normal. Seu velho mundo está desaparecendo. Muito devagar – devagar demais – mas inexoravelmente. Algumas reminiscências empoeiradas não mudarão nada nisso, mesmo publicadas no Le Monde."



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Manifesto francês



Artistas e intelectuais francesas criticam 'puritanismo' de campanha contra o assédio.
Manifesto defende a 'liberdade de importunar' dos homens, que consideram 'indispensável para a liberdade sexual'.
Cem artistas francesas contra o “puritanismo” sexual em Hollywood.
Manifesto assinado por atrizes como Catherine Deneuve defende que série de denúncias de assédio vai na contramão da liberação sexual.

            Estas são manchetes de alguns dos principais jornais de hoje (09 Janeiro 2018), quando cerca de cem artistas e intelectuais franceses lançaram manifesto no qual criticam o "puritanismo" da campanha contra o assédio surgida por conta de casos envolvendo o produtor Harvey Weinstein. Eles defendem a "liberdade de importunar" dos homens, que consideram "indispensável para a liberdade sexual". O manifesto, publicado no jornal francês "Le Monde", afirma que homens devem ser "livres para abordar" mulheres.
            A divulgação do manifesto ocorre dois dias depois da cerimônia do Globo de Ouro, tomada por protestos contra a onda de assédios: atrizes se vestiram de preto e a apresentadora Oprah Winfrey, homenageada da noite, fez um discurso contra o machismo.
“O estupro é crime. Mas o flerte insistente ou desajeitado não é um delito, nem o cavalheirismo uma agressão machista", disseram Catherine Deneuve, a escritora Catherine Millet, a editora Joëlle Losfeld e a atriz Ingrid Caven.
As artistas disseram que "não se sentem representadas por esse feminismo que, além das denúncias dos abusos de poder, adquire uma face de ódio aos homens e sua sexualidade", em alusão ao movimento #MeToo, que surgiu para denunciar nas redes sociais casos de abusos machistas.
As artistas reconhecerem que o caso Weinstein deu lugar a uma "tomada de consciência" sobre violência sexual contra as mulheres no contexto profissional; lamentam que agora sejam favorecidos os interesses dos inimigos da "liberdade sexual" e dos extremistas "religiosos". “Mas esta liberação da palavra se transforma no contrário: nos intima a falar como se deve e nos calar no que incomode, e os que se recusam a cumprir tais ordens são vistos como traidores e cúmplices”, argumentam as signatárias, que lamentam que as mulheres tenham sido convertidas em “pobres indefesas sob o controle de demônios falocratas”.
O manifesto prega que as mulheres deveriam se unir contra outro oponente, os "inimigos da liberdade sexual", como extremistas religiosos e reacionários.
O manifesto alerta ainda para as repercussões que este novo clima poderia ter na produção cultural. “Alguns editores nos pediram [,,,] que façamos nossos personagens masculinos menos ‘sexistas’, que falemos de sexualidade e amor com mais comedimento ou que convertamos ‘os traumas sofridos pelas personagens femininas’ em mais explícitos”, denunciam as signatárias, opondo-se também à recente censura de um nu de Egon Schiele no metrô de Londres, ao pedido de retirada de um quadro de Balthus de uma mostra do Metropolitan de Nova York e às manifestações contra uma retrospectiva dedicada à obra de Roman Polanski em Paris.”
“O filósofo Ruwen Ogien defendeu a liberdade de ofender como algo indispensável para a criação artística. Da mesma maneira, nós defendemos uma liberdade de importunar, indispensável para a liberdade sexual”, subscrevem as cem signatárias do manifesto.
           
            Sem qualquer tomada de posição, penso que o manifesto francês é oportuno e traz o contraditório, ampliando assim o campo de discussão.





 Foto de Catherine Deneuve: Loic Venance / AFP