quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O psicanalista e o cinema

Contardo Calligaris, em sua crônica de hoje na Folha de S. Paulo (17/9), escreve sobre o filme Que Horas Ela Volta? Diz ele: “Gostei muito do novo filme de Anna Muylaert e admirei as performances de Regina Casé e de Camila Márdila. Também achei bem-vinda a escolha do filme para representar o país no Oscar, porque "Que Horas Ela Volta?" é um retrato tocante e fiel de nossa sociedade hoje.”
            Este blogueiro concorda plenamente com Calligaris, e até tratou do assunto neste Louco (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2015/08/filme-bom.html). Concorda até aqui, pois a partir desta sucinta introdução o articulista revela todo o enredo, destrincha o filme tintim-por-tintim (puta pleonasmo!), analisa cada personagem em detalhes, apresenta interpretações “psicanalíticas” dos personagens e da vida familiar retratada no filme, enfim, entrega de bandeja, mastigado, Que horas ela volta? para o leitor preguiçoso.
Todos temos o direito de escrever sobre o que bem entendermos, é verdade, mas o que impressiona no caso é o furor interpretativo!
            Porque quem gosta de cinema há de preferir conhecer a história quando vai ao cinema, ao ver o filme, e depois pensar sobre ele, conversar sobre ele, ter ideias próprias sobre o que viu, se é capaz de pensar.
            Interessante que, a certa altura de sua crônica, Calligaris fala em “infantilização”:

“A infantilização de todos pela babá-empregada é um exemplo do que Hegel observava sobre o mestre e o escravo: à força de ser servido, o mestre desaprende a lidar com o mundo, torna-se um inútil. O mestre antigo, ao menos, de vez em quando, saía pelo mundo desafiando a morte: a coragem o qualificava como mestre. O mestre moderno, nem isso: ninguém entende mais por qual mérito ele continuaria sendo "mestre".

            Não é exatamente isso que o cronista está fazendo com seus leitores, infantilizando-os? Não seria possível comentar o filme sem revelá-lo completamente ao leitor? Ou faltou assunto e é preciso entregar a longa crônica da semana? Talvez tenha faltado uma advertência preliminar: esta crônica deve ser lida apenas por aqueles que já viram o filme!
            Na pior das hipóteses, pouco provável em se tratando de profissional respeitadíssimo como Calligaris, configura-se a possibilidade do paternalismo por parte do analista, diante de seus pacientes. Este é um risco concreto que correm analista e paciente, numa sessão de análise, em determinadas situações em que o terapeuta não suporta a dificuldade emocional (o afeto, no sentido psicanalítico do termo) do momento, e atua, inconscientemente.
            O cinema é assunto recorrente para conversa nas sessões de análise, o que é muito bom. Cabe ao analista perceber o que pertence realmente ao paciente que traz determinado tema, e não perder-se em considerações sobre o filme em si. Mas isso são outros quinhentos... Calligaris não pretende analisar seus leitores, apenas escreve sua crônica semanal.
Ao ir ao cinema – sempre um bom programa, quando o filme é bom! – que cada um veja o filme à sua maneira.




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Foto: Sergey Ponomarev / NYT