O psicanalista Contardo Calligaris publicou há 8 dias (5 ago 2020) artigo instigante na Folha de S.Paulo, ao relacionar moral e fé religiosa.
Informa Calligaris: “O Pew Research Center acaba de publicar uma pesquisa em que indivíduos de 34 países, geográfica e culturalmente diversos, responderam à pergunta: “É preciso ser religioso para ter moralidade.”
O resultado da pesquisa revela que “a ideia de que só há moralidade graças à religião prospera nos lugares de menor desenvolvimento econômico e cultural — entendendo por “desenvolvimento” cultural a proximidade com as ideias da modernidade ocidental.”
Eis alguns dados pinçados por Calligaris:
Na Indonésia e Filipinas, 96% estão convencidos de que não há moral sem religião.
Espanha e Itália, berços do catolicismo, ficam em 23% e 30%.
França, grande pátria da modernidade, 15%.
Estados Unidos: 54% respondem que é possível sermos morais sem religião, e 44% pensam o contrário.
Os menos convencidos são a Suécia: 9%.
No Brasil e África do Sul, 84% pensam que a religião é a condição da moralidade, logo atrás da Nigéria e do Quênia.
Completa Calligaris: “A modernidade recusa a ideia de que os valores morais estão fora da gente — numa escrita sagrada ou nas palavras do camarada Stálin, do pastor, do padre, do papa ou do PCC, tanto faz. A modernidade é contra a elevação dos braços para convidar o rebanho a adorar, e pouco importa que a gente levante uma hóstia, uma Bíblia ou uma caixa de cloroquina — para a modernidade, o gesto de levantar os braços pedindo adoração é imoral em si. Para a modernidade, a fonte da moralidade está na gente. Ela não se mede na conformidade a mandamentos externos. Ela é uma responsabilidade de foro íntimo.”
Ao aceitar “liberdade moderna”, o homem assume a responsabilidade daquilo que é a moral para cada um de nós; “procurar o certo e o errado na conformidade com prescrições (divinas ou terrenas, tanto faz), isso é sempre o mais imoral dos atos”, resume Calligaris.
Tudo parece muito bem posto pelo conhecido psicanalista. Até que ontem o mesmo jornal publica crônica de Hélio Schwartsman, De onde vem a moral?, em resposta à provocação de Calligaris.
Segundo Schwartsman, “De fato, não há boçalidade muito maior do que imaginar que não exista moralidade fora da religião. Acho até que podemos radicalizar o argumento. Não há nada mais imoral do que a moral diretamente extraída das Escrituras, que nos autorizam a vender filhas como escravas (Ex. 21:7) e nos obrigam a matar gays (Lv. 20:13).”
Prossegue o filósofo: “Acredito, contudo, que a moralidade seja um fenômeno com fortes componentes externos (situacionais). Ela é forjada na teia de relacionamentos sociais que mantemos com nossos semelhantes.” ...
Para Schwartsman, “A moralidade é a solução encontrada pela evolução para compatibilizar os impulsos egoístas do indivíduo e a necessidade de reduzir conflitos dentro do grupo. Essa permanente tensão entre bichos que são ao mesmo tempo rivais e aliados desemboca em emoções e sentimentos socialmente relevantes como inveja, raiva, gratidão, compaixão, vergonha, culpa, que são a tabela periódica com a qual cada sociedade constrói seu código moral.”
É possível pensar que as ideias aqui expostas se complementam. É Igualmente razoável admitir que uma pessoa profundamente religiosa – e que pensa com liberdade – seja capaz de reconhecer naquele que não crê a moralidade perfeitamente estabelecida. Penso que a tal “modernidade” deve implicar necessariamente liberdade de pensamento e expressão, e acima de tudo, tolerância para com aquele que pensa diferente.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/08/de-onde-vem-a-moral.shtml
Parece que a dúvida reside no conceito de moral, que por si não é uniforme, na cabeça das pessoas.
ResponderExcluirÉtica
ResponderExcluirSua fé se foi, as virtudes ficaram. Nunca estiveram ligadas.
Está pronto o microconto!
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