sábado, 19 de junho de 2021

Sina 2

 

Iniciou na cozinha cortando cebola. Morreu cortando cebola.

Sina

 

Foram muitos anos como servente de cozinha, depois aprendiz, por fim auxiliar. Morreu sem ter chegado a Chef.


Balança de pesar escravos






 

Na Introdução de Escravidão – Vol. II (Ed. Globo Livros, 2021), Laurentino Gomes apresenta ao leitor, como símbolo de uma atividade da qual devemos nos envergonhar até hoje, uma balança de pesar escravos, agora exposta no Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte. 

 

“O objeto foi trazido de Salvador, na Bahia, outrora um dos maiores territórios escravistas do mundo, e ostenta as insígnias da Coroa portuguesa, indicando que teria pertencido a uma fazenda real, até hoje não identificada. Com cerca de três metros de altura, é um entre muitos outros artefatos similares, de diferentes formatos e tamanhos, que na exposição contam a história do comércio no Brasil colonial, todos usados para definir o valor da “mercadoria” a ser negociada entre compradores e vendedores: balanças de pesar bois e vacas, balanças de pesar porcos, balanças de pesar galinhas, balanças de pesar cereais, balanças de pesar farinha de mandioca, balanças de pesar queijos, balanças de precisão e balanças de ourives, destinadas a calcular quantidades de ouro em pó, pedras e outros minerais preciosos.”

 

            Belíssima descrição do homem-mercadoria! 

            Louvo aqui, além do precioso conteúdo, o estilo literário de Laurentino Gomes, elegante, preciso, agradável de se ler. 

Pedro artilheiro

 

Desde muito cedo Pedro experimentou a severidade familiar. A humildade, como virtude inegociável, constituía o pilar central da educação imposta aos três filhos do casal. A palavra Orgulho possuía apenas um significado, o de Soberba, e por isso mesmo era palavra impronunciável no ambiente familiar.

            Elogios não havia na vida de Pedro, as críticas sobravam. A exceção ocorreu quando sua mãe pediu que ele, menino de seis anos, limpasse e lubrificasse a máquina de costura Singer, equipamento indispensável para a economia doméstica, pois com ela Ophélia cortava e costurava calças, camisas, uniformes da escola para os três filhos. Findo o minucioso trabalho, Pedro rejubilou-se com o resultado: Muito bom, Que habilidade, Ficou ótima, Obrigada!

            Tempos depois o menino desenhou na capa de um caderno escolar a palavra Geografia, e o fez com tamanha perfeição e arte que, inesperadamente, recebeu elogios de ambos os pais, Veja isso, Álvaro, que perfeição, É mesmo, teremos aqui um artista? E ficou nisso, essas foram as únicas vezes em que Pedro recebeu algum elogio durante toda a sua infância e adolescência.

            Pedro nasceu com forte constituição psíquica, se é que existe esse tipo de coisa; possuía aguçada capacidade de observação e senso crítico extraordinário. Desde cedo percebeu que os pais tinham enorme dificuldade em lidar com a palavra Orgulho. Ambos tinham medo de que os filhos se tornassem pessoas arrogantes, vaidosas, fúteis, insolentes, enfim, mal-educadas, costumavam dizer. Pedro desconfiava que aquilo tinha a ver com preceitos religiosos rígidos, que nunca se tornaram explícitos. Ele apenas desconfiava, pois não podia imaginar que religião, mal interpretada, pudesse causar algum transtorno.

            Daí que, quando certo dia voltou para casa à tardinha, orgulhoso da façanha – seu time de futebol de salão havia vencido por 10 a 1 e ele marcara 7 gols –, nada disse à família. Guardou bem fundo em seu espírito o orgulho de ser artilheiro.

            Pedro cresceu, casou-se com Julieta, tiveram dois filhos, que nas tardes de domingo pediam ao pai que repetisse pela milésima vez a história da partida que terminou 10 a 1, com 7 gols do pai. Sentiam-se todos muito orgulhosos, como se tivessem participado do jogo.

            Tendo escolhido a profissão de professor, Pedro desempenhou-a com entusiasmo e competência ao longo de quarenta anos, até que se aposentou. Ao longo de seu trabalho ouviu críticas, menosprezo – Quem não sabe fazer, ensina! Os elogios foram raríssimos, porém nunca duvidou da importância da carreira que abraçara. Mais que tudo, guardou dessa experiência o orgulho de ter sido professor. 

Hoje, em tempos de pandemia, Pedro tem medo de perder o orgulho de ser brasileiro.