O artigo de Eugênio
Bucci, Se a palavra condena, a imagem consagra, de 19/11/2013, publicada no Observatório
da Imprensa (1) trata de tema antigo, mas de forma tão elegante, que trago aqui
para reflexões complementares. Vejamos o que diz parte do texto:
“Sim, o pêndulo entre imagem e palavra tende para o bem, mas, ao
mesmo tempo, abre contradições que, para boa parte dos profissionais da
imprensa, são simplesmente insolúveis. Um eloquente exemplo dessa esquizofrenia
nós tivemos agora, de poucos meses para cá. De um lado, todos os editoriais de
todos os veículos de comunicação do País registraram críticas mais ou menos
agudas à agressividade violenta dos black blocs. Na outra ponta, as fotografias
e as imagens de TV endeusavam a persona do black bloc, com suas máscaras de lã,
suas botinas de pedra e suas garrafas flamejantes. Graças ao tratamento
fotográfico que recebeu, essa persona foi investida de uma aura artificial de
romantismo incendiário, de paixão, de coragem adolescente. Enquanto as palavras
tentavam ser severas com os tais “vândalos” (entre aspas, pois a polícia também
enveredou pelo vandalismo e, apesar disso, nunca mereceu esse adjetivo das
coberturas dominantes), as fotografias produziam deles uma iconografia heroica
e fetichista.”
Bucci
chama de esquizofrênica a
contradição entre palavra e imagem no caso dos black blocs, atualíssimo fenômeno ainda por ser mais bem explicado pelos
que estudam o assunto. Gostei da adjetivação esquizofrênica. É assim mesmo que
funciona nossa cabeça, diante de uma aparente contradição: ocorre uma cisão da
mente, entre razão e sentimentos.
A
palavra puxa pela razão. É com ela que organizamos nossos pensamentos,
compostos de razão e emoções. A palavra nos ajuda a pensar, seja ela lida (o
sujeito é o leitor), e com muito mais força, se for escrita (o sujeito é o
autor do texto), e pensar significa considerar também as emoções, repito.
A
imagem puxa pelos sentimentos. Antes mesmo que surja um pensamento, alguma
coisa já mudou em nosso cérebro, independentemente de nossa vontade consciente.
É como segurar inadvertidamente o cabo quente de uma panela: quanto retiramos a
mão, ela já está queimada.
Não
adianta lutar contra esta dicotomia esquizofrênica, pois ela é primitiva, ontogenética,
animal, arraigada demais. Melhor reconhecê-la, admiti-la, pensar sobre ela, e
só então ver o que é possível fazer. Pensar é sempre a melhor solução.
O
fenômeno black bloc ainda pode nos servir
de exemplo. À medida que os acontecimentos foram se repetindo, o expectador
teve tempo para pensar sobre eles, e o que encontrou foi tão somente violência,
destruição, irracionalidade, falta de sentido. O glamour foi aos poucos desaparecendo. (Repetir à náusea a
denominação de “vândalos”, como fizeram alguns meios de comunicação, em nada
ajudou a compreensão do expectador. Ao contrário, a repetição raivosa dos
repórteres era uma outra forma de não-pensar, por não compreender o fenômeno, muito
mais próxima de uma imagem do que da palavra sã.)
Por
associação de ideias, este mesmo modo de pensar pode ser estendido às nossas
relações interpessoais. Velho já, revejo minhas experiências ao longo da vida e
constato quão inepto fui em fazer das pessoas que ia conhecendo algum juízo de
valor (parece inevitável nossa tendência ao julgamento), quase sempre levado
pelas primeiras impressões, as imagens, metaforicamente falando. A despeito da
inutilidade de qualquer julgamento, hoje procuro prestar mais atenção às
palavras, nem sempre com sucesso.
Por
fim, gostaria de tentar remover um pouco do preconceito que a palavra
esquizofrenia carrega. O conceito de Psicose em psicanálise não é o mesmo da
psiquiatria. Se Freud disse que somos todos neuróticos, Bion, à sua maneira,
classificou-nos a todos nós de psicóticos. Ou pelo menos destacou a importância da "parte psicótica" da nossa personalidade. Não é um xingamento, é apenas o fruto de
acurada observação, como esta apresentada por Eugênio Bucci, ao tratar da contradição
entre imagem e palavra.