sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Aniversário de Cora Coralina


Em 20 de agosto de 1889 nasceu Cora Coralina, recebendo o nome de Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas, na Cidade de Goiás.
Penso que não poucos intelectuais desaprovam sua poesia, talvez classificando-a como ingênua demais, pobrinha mesmo, afeita apenas às coisas pequenas do cotidiano. É possível que seja esta a razão pela qual o Estadão publica, no aniversário da poeta, alguns depoimentos de contemporâneos de reconhecida estirpe, sobre ela.
Eis um resumo desses comentários:

Flávio Carneiro: “...a visitei quando tinha uns 20 e poucos anos, já morava no Rio e estava para publicar meu primeiro livro. Ela me perguntou o que era mais importante pra um escritor e respondi, apressado: publicar. Ela então me disse: não, o mais importante pra um escritor é escrever.”

André de Leones: “...eu me lembro da sensação agridoce causada por versos como: "Faz da tua vida mesquinha / um poema". ...os versos de Cora Coralina falam baixo, remetendo a paisagens familiares, mas de maneiras que nos fazem observá-las de novo e de novo, como se fôssemos forasteiros.”

Ignácio de Loyola Brandão: “O chamado fenômeno Cora Coralina é simples. Os talentos são naturais, acontecem, estejam onde estiverem. São vulcões que entram em erupção de um momento para o outro. Às vezes são descobertos. Outras vezes, não. Cora Coralina, Manoel de Barros. Fenômenos da natureza da literatura. Não são fabricados, são pedra bruta, são pureza.”

Armando Freitas Filho: “O fenômeno de Cora Coralina só pode ser bem entendido, a meu ver, quando se sente no que ela escreveu, o sentimento popular do seu lugar e do seu modo de expressar, o que sua vida ali, em ligação direta, soube captar e transcender.”

Mariana Ianelli: “Foi poeticamente tão madura e consciente da sua autenticidade que chegava a ser marota quando se auto-definia “cultivadamente rude”. Rude porque seu léxico exuberante, sua poesia ritmada, sua atmosfera de estórias de antigamente, de uma gente e uma Goiás “de dantes”, têm fonte fora dos livros, no barro das coisas, na experiência de ter posto a mão na vida ao longo do tempo, como, doceira que era, também punha a mão na massa.”

Fabrício Carpinejar: “Ela conseguiu trazer um público novo para a poesia. Aliás, ela tem dois públicos fiéis: o que gosta de poesia, porque ela é uma poeta que fala de poesia, e o que gosta da simplicidade – e que cultua o interior, a casa, o beco, o imperfeito, a vida devagar. Ela conseguiu algo muito difícil na poesia, que é a comunicabilidade e a expressividade. Uma poeta que mistura vida e obra, perfeitamente.”

Henrique Rodrigues: “A existência de Cora Coralina é uma vitória da poesia sobre o tempo. Se ela tivesse participado da Semana de 22 – o marido a proibiu –, creio que teria entrado para a história da literatura brasileira bem antes.”

Marina Colasanti: “O sucesso da sua poesia se deve menos à forma do que à fonte de que emanava, mais ao testemunho do que às palavras, mais à mulher forte e admirável que ela foi do que à poeta.”

Wesley Peres: “O grande elogio de Drummond foi sobre Cora, e não sobre sua hora. Esperto que era, ele disse que Cora é a pessoa mais importante de Goiás, mais importante do que o governador.”

Raimundo Carrero: “Tudo isso emerge de sua solidão e da convivência com o silêncio cheio de encanto e de doçura. A sua linguagem vem da inquietação desses ambientes que parece envolver os seus leitores .”

Antonio Carlos Secchin: “Cora Coralina é exemplo do que a “poesia espontânea”, sem o lastro de outras leituras, consegue produzir. Talentosa, escreveu bons poemas, mas circunscritos, conforme nota de um seu editor, aos “objetos imediatos e caseiros”.

Ramon Nunes Mello: “O que me encanta em Cora Coralina é a simplicidade. A cada dia compreendo que a sabedoria (o verdadeiro saber) está intimamente ligado à humildade. Cora preservou a virtude da humildade, caracterizada pela consciência das próprias limitações. E assim, alcançou o estado de graça com sua poesia, para retratar o sentimento do seu povo.”

Dirce Waltrick do Amarante: “A coisa mais interessante da Cora Coralina que li foi aquele longo poema “épico” sobre o milho, pois tem muitas ressonâncias míticas, remetendo, por exemplo, ao “Popol Vuh”, sem falar que é ecologicamente um marco contra as nossas sementes manipuladas de hoje.

            Como não me considero um intelectual, longe disso, haja vista a existência deste Louco por cachorros, sinto-me livre para gostar de Cora Coralina. Que, diga-se de passagem, continua viva!
            Primeira estrofe de Os aborrecimentos de Aninha:

Meus vestidos de menina...
pregados – saia e corpo.
Abotoados na cacunda.
Pala rodeada de babados
que eu mordiscava, mascava,
estragava. Mãe ralhava.
Falta de cálcio, vitamina, alimentação,
leite ovos, esclarecida depois do tempo.
Vício, dizia a casa. Filha de velho doente.
Em Vintém de cobre –
Meias confissões de Aninha.