domingo, 19 de maio de 2019

Almoço de família


Toca o celular na manhã de domingo.
– Linda, cê tá boa? Vou almoçar com você hoje. Tudo bem?
– Tudo bem.
Linda saiu para comprar o patinho e o bacon; cebola, alho, pimenta malagueta, cebolinha, já tinha em casa, colhidos na pequena horta doméstica. A carne moída seria servida com arroz e feijão, tudo muito bem temperado com linguiça frita em banha de porco. A cerveja, bem gelada.
            Raquel chegou acompanhada do marido, avisando logo que morria de fome.
Linda serviu o almoço na hora combinada.
Logo na primeira garfada Raquel esbravejou:
– A carne está estragada – e despejou no lixo a comida do prato. Linda, frita dois ovos pra mim.
Linda fritou os ovos; ela e o marido de Raquel almoçaram a carne, arroz e feijão, tudo muito bem temperado, a cerveja bem gelada.
Ao final do almoço, o marido sentenciou definitivo:
– Raquel, quero o divórcio. 

Syn61, o organismo vivo criado em laboratório



O organismo artificial é uma versão simplificada da bactéria 
Escherichia coli (IStock/Getty Images)


O título da matéria publicada por André Lopes para a revista Veja (19 mai 2019) é espetacular: Cientistas criam vida artificial em laboratório – Primeiro ser vivo sintético é uma bactéria unicelular que será usada para a fabricação de remédios.
          A pesquisa foi publicada na revista Nature, por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido: a criação de um organismo vivo com genoma totalmente artificial, desenvolvido a partir de compostos químicos. 
“Os pesquisadores redesenharam o código genético da bactéria Escherichia coli, muito presente no intestino humano, para fabricar células em versão sintética do genoma alterado. Além do ineditismo de se ter desenhado um organismo em laboratório, há resultados práticos. Os pesquisadores acreditam que a Escherichia coli poderá ser usada como importante aliada no combate a câncer, esclerose múltipla, ataques cardíacos e doenças oculares, por exemplo.”
“Para criar vida em laboratório, os cientistas se basearam no sequenciamento do genoma da bactéria orgânica e redesenharam, em computador, a estrutura do DNA da espécie. O genoma artificial contém 4 milhões de pares de bases nitrogenadas. Se fosse impresso o sequenciamento, baseado em letras, como sempre é quando se trata de genoma – no caso, G, A, T e C –, seriam necessárias 970 páginas de folha A4 para escrever toda a fórmula da vida sintetizada.” 
“De início, os cientistas cortaram algumas dessas letras do código do micróbio para preservar apenas as relacionadas a funções essenciais à vida. Sempre que se deparavam com uma sequência TCG, por exemplo, a reescreviam para ACG, o que, em palavras leigas, significa simplificar a estrutura da bactéria. Ao todo, foram 18 mil dessas modificações. O novo código genético foi então sintetizado e recolocado no microrganismo, batizado de Syn61.”
E a Ciência avança inexoravelmente!



Devo uma resposta a Suzete


Minha querida Suzete,

há mais de mês que não recebo cartinha sua e não posso reclamar, minhas respostas tardam, falta-me assunto, aparvalhado que me encontro com a enlouquecida política nacional, desanimado com nossos políticos, descrente do futuro de um país que se ainda não é uma Venezuela, já se parece muito com a decadente Argentina. 
Escrevo com esforço, portanto não espere grande coisa desse meu texto, apenas a manifestação de saudade de você e vontade de saber notícias suas. (Você merecia coisa melhor, depois de sua última cartinha contendo a brilhante crítica a um certo microconto.)
Salva-me a música e a literatura. Pois escrevo para lhe recomendar um belo livro, O verão tardio, de Luiz Ruffato (Companhia das Letras, 2019). O autor já ganhou fama nacional, com diversos livros publicados, entre eles o divertido Estive em Lisboa e me lembrei de você, e o monumental Inferno provisório!
O verão tardioconta a experiência vivida pelo protagonista durante seis dias, de terça-feira a domingo, em seu retorno a Cataguases – sempre Cataguases – 20 anos depois de ter deixado a cidade natal. Porém, o que me cativou mesmo no livro foi a forma, o fluxo de consciência a prender a atenção do leitor, desde as banalidades do cotidiano até a marcante posição política de Ruffato, um escritor de oposição, crítico da política do governo atual. 
Eis uma pequena amostra, Suzete, para ver se você se anima a ler o livro:

“[ ]
acordo com o barulho do portão de ferro – abrindo ou fechando? Fechando! Passei por uma madorna. Deve ter sido a Rosana saindo para o trabalho. Os passarinhos em algazarra. Barulho de carros lá fora. Ponho os óculos. Levanto. Minha cabeça dói. Vou até o mancebo, recolho a calça e a camisa, visto. Sento na cama, boto as meias, calço o tênis. Pego a escova de dentes na mochila. Colo os ouvidos à porta, nenhum movimento. Atravesso o corredor, penetro no banheiro, tranco a porta. Urino. Lavo o rosto, escovo os dentes. Dou descarga. Deixo o banheiro, entro rapidamente no quarto, guardo a escova na mochila. Coloco o boné na cabeça. Tomo fôlego, alcanço sorrateiro a cozinha, consulto o relógio de carrilhão, mas ele não marca a hora certa, alcanço a garagem, contorno o Honda Fit, puxo a porta lateral, ganho a rua. E então aspiro com força o ar quente da manhã ensolarada.”

            Não que eu seja fã da escrita de frases curtas, que a gente lê como se estivesse soluçando. Mas o ritmo alucinante de Ruffato é diferente, penso eu.
            Espero que compre o livro e goste, Suzete. A capa é bem bonita, veja.


            (O inusitado de se escrever uma carta pela Internet, seja enviada por e-mail, postada no blog ou por qualquer outra via virtual, é que podemos acrescentar imagens, como a capa do livro em questão. Não é fantástico isso, Suzete?)
            Ainda a respeito da escrita do Ruffato, encontrei em Manoel de Barros (Poesia Completa, Leya, 2010), uma frase que bem se aplica:

“A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.”

            Ruffato desarruma a linguagem!
            Fico por aqui, com forte abraço e um beijo à amiga.
            Do sempre seu,

                                               andré