domingo, 29 de dezembro de 2019

Trio para piano, antes e depois



Ao meu querido leitor Emerson


Não me canso de afirmar que não sou crítico musical; me faltam conhecimentos técnicos para tal. No entanto, gosto de registrar observações quase sempre sobre música erudita – que pretensão, meu deus! –, a música que costumo ouvir, irresponsavelmente. (Acontece que gosto muito de escrever.)
            Sabemos que há duas eras com relação à forma Concerto para Piano e Orquestra: antes e depois de Beethoven. Não há necessidade de explicações técnicas para compreender tal afirmativa; basta ouvir e comparar. E acrescento, “antes e depois” não se restringe ao desenrolar linear do tempo. Beethoven nasceu em 1770 e morreu em 1827; Chopin nasceu em 1818, portanto tinha 17 anos quando Beethoven morreu, e não aprendeu com o Mestre a arte do Concerto para piano. (São interessantes os dois concertos de Chopin – e ainda bastante requisitados pelo público –, mas pecam pela orquestração, já dizia minha mãe Ondina, que os ouvia sob restrições.)
            Bem, depois de ouvir o Trio N.2 em mi bemol maior D919, de Franz Shubert, um contemporâneo de Beethoven, interpretado pelo The Florestan Trio, com seus cinco movimentos, pensei em traçar o mesmo paralelo de excelência, comparando a forma Trio para piano a Beethoven. 
Para tanto, escolho o Trio para piano n.1, op. 70, em ré maior, de Beethoven. Desde o início do primeiro movimento a diferença é gritante: enquanto Shubert privilegia descaradamente o piano – sei que esta palavra há de chocar os puristas, mas como não sou crítico musical e adoro as palavras... – em  detrimento do violino e do violoncelo, Beethoven inicia seu trio com a voz do violino, belíssima, acompanhada do cello – e só depois entra o piano. Piano, violino e cello conversam todo o tempo, cada qual sabedor de seu próprio valor. E ele sabia disso.
No Trio op. 11, em si bemol maior, surge uma novidade: no terceiro movimento Beethovem apresenta um tema, “Pria ch’ l’impegno” sob a forma de Alegretto. Em seguida, ouvimos 9 variações curtíssimas, 30 a 40 segundos cada, sobre este tema. A peça termina com um Alegro. Fica evidente a intenção do compositor em desenvolver e expandir a forma Trio para piano.
Talvez os Trios para piano também possam ser divididos em “antes e depois” de Beethovem.