quarta-feira, 10 de junho de 2020

Oficina do Tobias XIII

Folhetim


Décimo terceiro encontro


Tobias, ao iniciar o encontro, afirma, Esta oficina não pretende formar poetas, porque a Poesia é um dom, mas quem sabe alguns de vocês têm o dom e podem desenvolvê-lo; no entanto, ler poesia todos podemos e devemos fazer, se possível todos os dias.  Distribui impressos quatro poemas, e os lê para o grupo.

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor.

                        ***
AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

                        ***
No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

                        ***
Metade

construí minha casa pela metade
paredes de metro e meio
as portas sem fechadura
escadas sem corrimão
a mesa não tem cadeiras
o prato não tem talher
há no quintal meia horta
e meia lua no céu
nessa casa de meeiro
habita pela metade
metade do meu desejo
as minhas meias palavras
só permanece o meu sonho
inteiro inteiro inteiro 

            Sem anunciar o nome dos poetas, convida Tobias, Agora vamos conversar sobre eles.
            Gosto mais desse, gosto mais daquele, palpites se sucedem, bem pobrinhos, sem profundidade, como se nada ou muito pouco tivessem assimilado. O primeiro poema, 5 alunos conhecem o autor; o segundo, 2 alunos; o terceiro já visitara a oficina, trazido por Clarice no segundo encontro; e o último, apenas Suzete identifica o poeta, aliás ela conhece todos eles. Tobias pede que falem sobre as diferenças de estilo. Nem todos sabem o que é um soneto, nem como é construído. Ana Paula arrisca uma pergunta, Professor, pode escrever assim sem nenhuma pontuação, como no último poema? Para falar a verdade, eles não sabem nada sobre Poesia. Tobias, experiente, não esperava outra coisa.
            Pelo menos vocês gostaram de ouvir os poemas, pergunta Tobias levemente alterado, procurando esconder a irritação. A resposta positiva é unânime. Então comprem livros de poesia, de preferência os mais finos, de poucas páginas, fáceis de carregar, e leiam poesia todos os dias, leiam em voz alta, um poema ao dia que seja, homeopaticamente, pois faz bem à saúde, ao corpo, ao bestunto e principalmente à alma.  
            Tudo pode em poesia, Ana Paula, é a forma de escrita mais livre que há. Mas tomem cuidado, já dizia Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor”. Não é tão somente de beleza que se trata, como no primeiro verso de Luís Vaz de Camões: “Amor é fogo que arde sem se ver”. A pedra de Drummond definitivamente não é um paralelepípedo. (Alguns sentem que Tobias está meio puto da vida com tanta ignorância.) Quando o poeta Paulo Viana fala da metade das coisas, ele quer mesmo falar do sonho inteiro. 
            Repito, escrever poesia é para poucos, ler poesia é para todos. Leiam leiam leiam poesia, é o que posso lhes dizer, senhores.
            Amanhã será nosso penúltimo encontro: o tema é livre. Escrevam. 
            Tenham uma boa tarde.