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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Trabalhando no Adolescentro




Tendo em vista a polêmica instituída com o programa de prevenção da gravidez em adolescentes, baseado na abstinência sexual, vamos dar voz a quem sabe das coisas. Cecília Vianna é médica, formada pela Universidade de Brasília, com qualificação em Ginecologia da Infância e Adolescência, e trabalha no Adolescentro de Brasília. 
          Dra. Cecília afirma:

“O Adolescentro é uma unidade de saúde referência do Distrito Federal especializado no acolhimento e tratamento de adolescentes e suas famílias. Os mais de quatro mil atendimentos mensais refletem o impacto do serviço prestado aos usuários da rede pública de saúde.
Em 21 anos de existência, o órgão atendeu adolescentes com depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de aprendizagem, vítimas de automutilação ou tentativa de suicídio. Uma das grandes vantagens da unidade é utilizar a abordagem biopsicossocial, incluindo os responsáveis pelos jovens na compreensão e na solução das questões trazidas. 
Destaca-se entre os serviços oferecidos o Grupo de Diversidade, que  cuida de jovens nas questões relacionadas às diversidades sexual e de gênero. Ou seja, cuida das especialidades da sexualidade LGBTI, serviço agraciado com as Boas Práticas em Atenção Psicossocial, trabalho apresentado em Montevidéu para países do Mercosul.
        Desde a sua criação, em setembro de 1998, o Adolescentro vem colhendo prêmios de reconhecimento por seu trabalho. O mais recente foi o Selo de Qualidade, distinção para serviços diferenciados a adolescentes em várias frentes de atuação. Em 2017, foi agraciado com o prêmio Boas Práticas em Atenção Psicossocial, na categoria de Infância e Juventude.
O Adolescentro presta atendimento individual e em grupo para adolescentes de 10 a 18 anos de idade, nas modalidades listadas a seguir:
1. Programa Biopsicossocial (BPS) – acompanha o crescimento e desenvolvimento de jovens, com ênfase em transtornos mentais.
2. Programa de Atenção a Adolescentes com Vivência de Violência Sexual (PAV) – integra a rede de assistência a pessoas em situação de violência no DF.
3. Assistência e tratamento em psiquiatria e neurologia a adolescentes com demandas específicas.
Oferece aos adolescentes já acompanhados no serviço (bem como aos seus familiares e/ou responsáveis) atendimento ambulatorial nas seguintes áreas: Pediatria com atuação em Adolescência; Psiquiatria; Neurologia; Ginecologia; Psicologia; Terapia Ocupacional; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Enfermagem; Nutrição; Serviço Social; Odontologia; Práticas Integrativas em Saúde (Hatha Yoga e Reiki).
        Realiza testagens (detecção rápida de gravidez, HIV, sífilis e hepatites virais) em adolescentes em situações indicadas, in loco. Oferece atendimento às vítimas de violência sexual: atendimento individual realizada por equipe multidisciplinar, atendimento a pais e/ou responsáveis com dificuldade no limite e autoridade.
        A área da Ginecologia da Adolescência possui papel necessário e crucial para a evolução do bem estar das adolescentes. Essa especialidade atua no Adolescentro para dar suporte nas áreas da sexualidade, proteção para gravidez na adolescência e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).  
O Adolescentro lida com uma população de adolescentes com risco aumentado para comportamento sexual, o que inclui, início precoce de relação sexual, relacionamento com parceiros mais velhos, múltiplos parceiros, dificuldade de adesão ao preservativo e aos métodos contraceptivos. Outro fator que aumenta o risco de gravidez nesse grupo é o desejo fantasioso de uma gravidez. O trabalho do ginecologista consiste em assegurar a proteção imediata, com inicio de método contraceptivo eficaz, associado a orientações constantes com incentivo ao uso do preservativo.  Aí sim, gradativamente, construir junto à adolescente objetivos de vida e perspectivas para o futuro, que são os melhores elementos de prevenção da gravidez precoce. 
Dessa forma, em concordância com a literatura mundial, o Adolescentro preconiza cada vez mais o uso dos Contraceptivos Reversíveis de Longa Ação (LARCs) para adolescentes.”

                                                           Cecília Vianna 


segunda-feira, 22 de julho de 2019

Visitas prolongadas em UTI




Foto:Folhapress

De modo geral, as visitas em uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) são restritas a cerca de duas horas diárias, o que pode causar impacto na saúde de quem não está doente, ou seja, nos familiares. O estudo em questão resolveu testar os efeitos da ampliação do tempo de visita dos familiares para 12 horas por dia. A reportagem é de Paula Sperb para a Folha de S. Paulo (22.jul.2019).
            “Resultado: a mudança reduziu em 50% os sintomas de ansiedade e depressão que os parentes desenvolvem no período em que alguém da família está na UTI sem aumentar o risco de infecções para os pacientes.”
            “É tão efetivo quanto um antidepressivo, mas sem os efeitos adversos. Sabe-se que aproximadamente a metade dos familiares desenvolve níveis patológicos de depressão. Ter uma estratégia para reduzi-los é muito importante”, explica o médico pesquisador Regis Goulart Rosa, que coordenou a pesquisa UTI Visitas, publicada na edição mais recente do Jornal da Associação Americana de Medicina (Jama).”
“O estudo foi conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde, e realizado em 36 UTIs de hospitais públicos e filantrópicos do Brasil. Em São Paulo, o estudo foi feito no HCor (Hospital do Coração) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. No total, 1.685 pacientes e 1.295 familiares participaram do estudo.
O tempo reduzido de visitas à UTI advém da ideia de que o contato com mais pessoas por mais horas resulta em maior risco de infecções aos pacientes e maior estresse para as equipes médicas. O estudo, porém, desmente o risco ampliado de infecções e conseguiu minimizar a possível sobrecarga dos profissionais educando os familiares sobre o funcionamento de uma UTI. Acompanhantes receberam as devidas instruções e aprenderam sobre o que faz cada profissional, como enfermeiros intensivistas, médicos e técnicos de enfermagem. 
O estudo avaliou ainda se a presença prolongada dos visitantes poderia diminuir a confusão mental dos pacientes, mas os resultados mostraram não houve diferença.
Pareceu-me ótima iniciativa; talvez haja necessidade de novos estudos, em diferentes instituições, para uma conclusão definitiva.
                        


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Síndrome de burnout





“GENEBRA - O esgotamento profissional, conhecido como síndrome de burnout, foi incluído na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS).”  É o que informa hoje a  Agência AFP para O Estado de S. Paulo (27 mai 2019).
A lista, elaborada pela OMS, é baseada nas conclusões de especialistas de todo o mundo e a classificação é utilizada para estabelecer tendências e estatísticas de saúde.  
"É a primeira vez que o esgotamento profissional entra na classificação", anunciou o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic.  
burnout, incluído no capítulo de problemas relacionados ao emprego e desemprego, recebeu o código QD85.  
O problema foi descrito como "uma síndrome resultante de um estresse crônico no trabalho que não foi administrado com êxito" e que se caracteriza por três elementos: "sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho e eficácia profissional reduzida".  
A nova classificação, chamada CIP-11, publicada ano passado, foi aprovada durante a 72ª Assembleia Mundial da OMS e entrará em vigor no dia 1 de janeiro de 2022. 
            A síndrome de burnout acomete com frequência médicos e enfermeiros, em particular os profissionais submetidos a trabalho em regime de plantão e que têm mais de um emprego. Passam a noite trabalhando e na manhã seguinte permanecem em atividade, em outro emprego, driblando assim a legislação trabalhista.
           Importante observar que, além dos danos provocados no próprio profissional, a chamada relação médico-paciente nesses casos fica completamente deteriorada.
            Eu mesmo pratiquei este tipo de trabalho nos anos em que fazia a Residência Médica. O esgotamento que aquilo provocou – o burnout– levou-me a mudar completamente minha opção profissional, mudar de cidade, enfim, mudar de vida, embora tenha permanecido na Medicina. Isso é possível.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Direito de morrer em paz


Foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo, na última quinta-feira (12), importante projeto de lei que trata da liberdade de escolha do paciente, de receber ou não tratamento no final da vida; em resumo, do direito de morrer em paz.
O PL 231/2018, de autoria do deputado Carlos Neder (PT), se aplica a pacientes dos serviços públicos e privados e depende da sanção do governador para se tornar lei estadual. A expectativa é de que, depois disso, o tema ganhe força para se tornar uma lei federal. É o que informa Cláudia Collucci para a Folha de S. Paulo (18.dez.2018).
“Inspirado em legislações europeias, como da Espanha e da Itália, o projeto avança nas regras de proteção à autonomia dos direitos do paciente e das obrigações médicas, como a informação clínica, o consentimento informado e o direito de o doente dispor previamente sobre suas escolhas em caso de enfermidade terminal e perda da consciência.” 
O projeto paulista não deixa de ser um avanço. “O consentimento informado é uma peça fundamental no exercício da medicina, seja como um direto do paciente em aceitar, negar ou interromper tratamentos, seja como dever moral e legal do médico em respeitar essa decisão, amparado legalmente.” 
Importante ressaltar alguns pontos do projeto aprovado: 

1. A pessoa com uma doença terminal tem o direito de receber, prontamente e por escrito, toda a informação necessária sobre seu diagnóstico, prognóstico e tratamento, adaptada às suas condições cognitivas e sensoriais.
2. Em casos em que essa informação represente grave risco à integridade física ou psíquica do paciente, isso deve ser anotado em seu prontuário clínico de saúde e comunicado às pessoas com vínculo de parentesco, de amizade ou de afeto com o doente.
3. A pessoa tem o direito à tomada de decisão informada, conhecendo toda a informação disponível sobre a sua saúde, durante enfermidade terminal para, em acordo à sua vontade, concordar, recusar ou interromper intervenções e tratamentos propostos pelos profissionais de saúde que visem tão somente prolongar sua vida em razão da existência de determinadas tecnologias ou medicamentos paliativos, sem possibilidade de recuperação de sua saúde.
4. O consentimento informado ou a negativa esclarecida do paciente, livremente revogável a qualquer tempo, deve ser feito de modo documentado, assinado por si ou por seu representante, devendo essa manifestação do paciente ser anotada em seu prontuário para compor a sua história clínica.
5. Quando a pessoa em tratamento não for capaz de tomar decisões ou o seu estado físico ou psíquico não lhe permita conhecer toda a situação e compreender as informações para dar o seu consentimento de modo esclarecido, deverá ser observada a seguinte ordem de representação: a pessoa designada como representante legal; o cônjuge ou o companheiro ou a companheira; os parentes de grau mais próximo, desde que de maior idade; a pessoa que mantém ligação de amizade e afeto com o paciente, de modo reconhecido; a pessoa a cargo de sua assistência ou cuidado com a saúde; na ausência de todos os mencionados acima, o médico responsável pelo cuidado do paciente.

Informa ainda Collucci: “A exemplo do que ocorre na lei italiana, a proposta paulista também avança em fazer valer o direito de crianças e adolescentes em processo de enfermidade terminal. Por exemplo, de receber informações adaptada à sua idade, maturidade, desenvolvimento intelectual e psicológico, além de tratamento médico e cuidados paliativos que ofereçam atendimento de maneira individualizada, e sempre que possível, pela mesma equipe de saúde. Têm o direito ainda de estar acompanhadas o máximo de tempo possível durante sua internação pelos pais, mães ou pessoas que as substituam, salvo quando isso puder prejudicar o seu tratamento. Também devem ser hospitalizadas juntamente com outros menores, evitando o compartilhamento com quartos de adultos.”
Não será fácil a implantação deste projeto, caso seja sancionado, diante da imensa dificuldade da população em lidar com os temas paciente terminal e processo de morrer. As próprias equipes de saúde não estão preparadas para enfrentar certos dilemas, bem como os familiares do paciente.
Em sua coluna de hoje para a Folha (19 dez 2018), O paciente como agente –
Proposta que assegura a doente terminal o direito de tomar decisões está aquém do necessário, Hélio Schwartsman, ao comentar o referido projeto, acrescenta outra dificuldade, de caráter ainda mais complexo: 
“Paradoxalmente, o que mais conspira contra a autonomia são passagens do Código de Ética Médica que, num arroubo de paternalismo onipotente, dão ao médico poderes quase absolutos sempre que ele julgar que a vida do paciente está em risco. Na minha interpretação, normas derivadas diretamente da Constituição prevalecem sobre códigos profissionais, ainda que tenham força de lei federal.”
Conclui Schwartsmam: “É justamente esse conflito que o legislador precisa esclarecer em definitivo, além de regulamentar com mais detalhe os instrumentos através dos quais o paciente pode manifestar sua vontade. A medicina brasileira não pode continuar na era pré-kantiana em que ainda se encontra.”
Caminhamos, porém em passos lentíssimos, nesse mister.





domingo, 28 de outubro de 2018

Treinar para ouvir




Ao folhear o jornal de sábado, atormentado com tantas e tão disparatadas notícias da política nacional, uma certa manchete despertou-me curiosidade, publicada na sessão Saúde da Folha de S. Paulo (26 out 2018), reportagem de Cláudia Collucci:

“Treinar médicos para ouvir pode reduzir ansiedade e depressão na população.”

            Minha primeira impressão , antes mesmo de ler a matéria, foi a de que se tratava de mais uma crítica aos médicos, que cada vez ouvem menos seus pacientes. A recomendação pareceu-me apropriada, na era do prontuário eletrônico, o paciente escondido atrás da tela do computador. Há muito que a chamada relação médico-paciente vem se deteriorando; há publicações em revistas médicas de peso chamando a atenção para o problema; e um dos problemas é mesmo a dificuldade do médico para ouvir seu paciente.
            Enganei-me, não era este o enfoque. A reportagem traz interessante proposta para o tratamento de pessoas que necessitam atendimento psiquiátrico, em países onde o número desses especialistas é reduzidíssimo. (No Zimbábue há dez psiquiatras para uma população de 13 milhões de pessoas.)
            Diz a reportagem: “O treinamento de profissionais da atenção primária, como médicos de família e enfermeiros, combinado com iniciativas que envolvam a comunidade pode ser o caminho para aumentar a oferta de tratamento de transtornos mentais como a depressão e a ansiedade.”
Quem faz tal afirmação é o psiquiatra Shekhar Saxena, 62, professor do departamento de saúde global de Harvard e ex-diretor de saúde mental da OMS.
Saxena é um dos autores de recente relatório publicado na revistaThe Lancet, com  severas críticas aos tratamentos de saúde mental e subfinanciamento por parte dos governos.
Vem ganhando apoio internacional o “friendship bench” (banco da amizade, numa tradução livre), desenvolvido pelo professor Dixon Chibanda, da Universidade do Zimbábue. “Chibanda treinou avós para ouvir e orientar pessoas com depressão e ansiedade. Um estudo publicado no Jama(Jornal da Associação Médica Americana) mostrou que aqueles que sentaram no banco e contaram seus problemas para as avós tiveram maior redução de sintomas da depressão e da ansiedade do que aqueles que não tiveram essa escuta.”
Os bancos foram inicialmente testados no Zimbábue e atualmente estão sendo usados no Malaui, em Zanzibar e até em Nova York, em bairros como Bronx e Harlem. 
            Relata ainda a reportagem: “A atenção primária varia muito de país para país. Em alguns, os serviços são gerenciados por médicos e enfermeiros, em outros por mais profissionais da saúde. Todos podem ajudar, mas de diferentes maneiras. Médicos e enfermeiras podem ser treinados para identificar e tratar pessoas com as desordens mentais mais comuns como depressão, ansiedade e problemas com álcool e drogas. Eles podem ajudar de 60% a 70% das pessoas. Algumas vão precisar ser encaminhadas a um especialista, mas será a minoria. A maioria pode ser cuidada em uma atenção primária bem treinada.”
            A proposta, na realidade, chama nossa atenção para as relações interpessoais, algo que está acima da relação médico-paciente. Não há nada a nos surpreender, pois a ação terapêutica de uma conversa bem dirigida (pessoas treinadas para ouvir) há muito está estabelecida. A questão se resume em saber ouvir, esta a grande dificuldade do ser humano.



sábado, 13 de maio de 2017

Empatia projetada

Há pouco mais de um mês este blog tratou de tema de grande interesse, sob o título Empatia em xeque. (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2017/03/empatia-em-xeque.html)
O psicólogo canadense Paul Bloom (Professor de Psicologia na Universidade Yale) fez afirmação bombástica, a de que a “Empatia piora o mundo”.  
            Agora surge o texto de Ferran Ramon-Cortés (diplomado em Administração de empresas e especialista em Comunicação) no El País (6 - mai - 2017), Os riscos da empatia projetada, a falsa sintonia que pode machucar. Ele inicia com o pertinente relato de caso:

“Tenho um amigo que foi operado do coração um ano atrás. Era uma cirurgia simples e de pouco risco, realizada com o uso de um cateter, sem necessidade de nenhuma intervenção maior. Algumas semanas antes do procedimento, ele contou o fato a uma amiga em quem confia muito. Ela, fortemente consternada, lhe disse que imaginava que ele estivesse preocupado (“coração é coração, nunca se sabe”, disse ela), mas ele, com um sorriso, respondeu que não, que, embora uma cirurgia no coração sempre cause forte impacto, aquela era muito simples e quase sem riscos.
Um dia antes da internação, a amiga lhe telefonou.
-- Amanhã será a cirurgia. Como você está?
-- Tudo bem. Preparado – respondeu o meu amigo.
-- Estou perguntando porque, quando você me contou, senti que estava muito preocupado... – acrescentou ela.”

Ramon-Cortés chama o episódio de “erro empático”. A tal amiga, sempre preocupada com tudo e com todos, com a melhor das intenções, expressou o que ela estava sentindo, diante do risco de uma operação cardíaca. A isso o autor chamou de “empatia projetada”, o que não ajuda em nada no relacionamento com o outro, que sentirá que não o entendemos.
Afirmo que, diante do outro, (a) é desejável que possamos perceber suas expressões emocionais; e (b) que o nosso próprio julgamento não contamine aquilo que estamos captando.
A capacidade de percepção pode ser aprendida e aprimorada, o que haverá de influenciar nosso relacionamento com as pessoas. (No exercício da Medicina, o desenvolvimento desta qualidade é considerada fundamental para a boa Relação Médico-Paciente.)
Os julgamentos perturbam nossa capacidade de percepção da realidade alheia e vemos apenas aquilo que queremos ver. De igual modo, é preciso aprender e desenvolver a capacidade de ouvir sem julgar, o que não é fácil.
A análise pessoal pode ser de grande auxílio nesse mister, pois nos apresenta a nós mesmos antes que olhemos para o outro: somos todos humanos, imperfeitos, seres ainda em desenvolvimento, arraigados em muitos aspectos na infância da humanidade. O fundamentalismo religioso talvez constitua-se no maior obstáculo para ouvir sem julgar: a existência de dogmas, o moralismo, o preconceito, impedem nossa isenta percepção da realidade.
Continuemos, pois, pensando a Empatia.




segunda-feira, 27 de março de 2017

Empatia em xeque

Empatia, em definição resumidíssima, significa a capacidade de sentir o que o outro está sentindo. A aplicação da palavra em Medicina generalizou-se, como bom exemplo de relação médico-paciente: espera-se empatia do médico para com seu paciente. Nada mais altruísta!
Agora surge o psicólogo canadense Paul Bloom (Professor de Psicologia na Universidade Yale, com textos publicados em revistas científicas como Nature e Science, além de outros veículos como The New York Times e The New Yorker) que afirma que a “Empatia piora o mundo”. Este é o título da entrevista a Hamilton dos Santos (Folha, 26/03/2017).
As ideias de Bloom estão no livro Against Empathy: The Case for Rational Compassion (Ecco) (Contra a empatia: por uma compaixão racional).
Na entrevista, “Ele ataca o impulso natural que os homens têm de sentir os sentimentos alheios (ou de se projetar neles) e afirma ser justamente esse instinto uma das causas mais significativas da desigualdade e da imoralidade que predominam na sociedade atual.”
"Vários estudos mostram que a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas", diz Bloom. "Ela leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas."
            Afirma ainda Bloom:

“A empatia – entendida como a capacidade de compartilhar dos sentimentos alheios e, acima de tudo, de sentir a dor alheia – é um grande desastre moral. O exercício da empatia nos conduz às piores decisões e a um mundo pior.
As mais recentes pesquisas da neurociência e a experiência do cotidiano revelam que é relativamente fácil se colocar no lugar daqueles que você ama, de alguém próximo, atraente, amigável ou que se parece com você. Mas a empatia por quem lhe é distante se dá com bem menos naturalidade.
Além disso, a empatia não pode ser quantificada e naturalmente expandida. Ela funciona como um holofote, isto é, só podemos centrá-la em um indivíduo ou num grupo pequeno. Vários estudos mostram que, estranhamente, a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas.
Por fim, a empatia pode ser usada para induzir pessoas a endossar posições políticas das mais cruéis.
A empatia compromete o nosso julgamento: damos naturalmente mais importância a uma menininha que caiu num poço do que a crises que afetam milhões de pessoas, como a mudança climática. A empatia deflagrada por histórias de vítimas inocentes é facilmente utilizada para incitar ódio contra grupos minoritários, ou para gerar apoio a guerras desnecessárias.
Quando consideramos que a justiça requer algum tipo de imparcialidade – ou seja, que a importância ou a beleza de uma pessoa não deveria ser levada em conta no modo como a tratamos; que a resposta empática a alguém que está na fila do transplante de órgãos não deveria nos levar a passá-lo na frente dos demais –, torna-se claro que a empatia constitui, sim, um guia muito pobre para a moral.
Trata-se, repito, de um princípio da natureza humana excessivamente tendencioso.”

E o entrevistador pergunta: “Ao mesmo tempo em que desenvolve uma argumentação contra a empatia, seu livro faz uma longa apologia da compaixão. Por quê?”

“A distinção entre essas duas capacidades humanas é crítica para o meu argumento contra a empatia. Ela é feita de forma brilhante pelas neurocientistas Tania Singer e Olga Klimecki em um artigo na revista Current Biology: http://www.cell.com/current-biology/abstract/S0960-9822(14)00770-2.
Elas escrevem que, "em contraste com a empatia, a compaixão não significa compartilhar do sofrimento do outro: antes, se caracteriza por sentimentos calorosos, como zelo e cuidado com o outro, assim como por uma forte motivação para melhorar o seu bem-estar. A compaixão é sentir algo pelo outro, e não sentir algo com o outro".
           
E acrescenta Bloom:

“A empatia nos leva a confundir nossos sentimentos com os dos outros e nos coloca em uma situação de pleno envolvimento. Isso não acontece no processo da compaixão, que nos coloca muito mais como observadores. Logo, é possível concluir que a empatia tende à irracionalidade, enquanto a compaixão deixa uma janela aberta para a razão.”

            Vamos pensar sobre o assunto?




sábado, 12 de novembro de 2016

O que não dizer à pessoa com câncer

Com o título Seis coisas que você não deve dizer a uma pessoa com câncer, a reportagem de Silvia C. Carpallo para El País (10 NOV 2016) merece elogios, pelo seu caráter educativo e alcance social. Em parte é reproduzido aqui, com alguns comentários deste blogueiro, que já tratou do tema exaustivamente no Loucoporcachorros.
            A palavra câncer continua assustando, a despeito de um grande esforço para que o assunto possa ser tratado com mais naturalidade. Campanhas específicas e depoimentos de pessoas conhecidas, falando abertamente sobre a doença e divulgados pela mídia, têm ajudado.
O apoio psicológico é sempre bem-vindo, especialmente quando parte do ambiente familiar e social. Todos estão dispostos a ajudar, porém nem sempre da maneira mais adequada.
Eis algumas das frases que devem ser evitadas diante da pessoa com câncer, segundo o artigo de Carpallo, e com as quais concordo plenamente:

1. “Não se preocupe, não vai acontecer nada”.

A incerteza sobre a evolução da doença, os efeitos colaterais dos tratamentos, tudo isso impede uma afirmação definitivamente otimista. O paciente não vai acreditar em tais palavras e possivelmente ficará irritado com elas. E frustrado, quando a evolução for desfavorável.

2. “Você tem que aceitar receber ajuda”.

“Frases do tipo: “Você tem que falar com alguém”; “tem que desabafar”; “você tem que parar de trabalhar; “você tem que pedir ajuda”; ou qualquer outra que comece com “você tem que...”, só geram insegurança no paciente. A ajuda deve ser oferecida, não imposta.”
“Quando uma pessoa é diagnosticada com câncer, não se transforma em outra pessoa, continua sendo ela, com sua capacidade de pensar, de tomar decisões e saber o que quer e o que não quer fazer”.
A expressão “tem que” nunca funciona. O sermão nunca funciona.

3. "Se você for positivo, vai se curar".

 “Existe uma tendência muito enraizada de pensar que a atitude que o paciente tenha durante a doença irá determinar o progresso da mesma. Portanto, é muito normal que os pacientes ouçam frases como: “Você tem que ser forte e lutar”; “você tem que ser positivo”; sua atitude faz parte da cura”; “você vai ver como tudo vai correr bem, mas depende de você”; “se estiver desanimado, a doença perceberá isso” etc. Tais comentários geram uma enorme pressão sobre o paciente, que não consegue estar sempre feliz e positivo, já que o “normal é ter medo, tristeza, raiva e desesperança, de modo que a imposição do positivismo só gera um sentimento adicional de culpa”.
Eu acrescento: com frequência o “conselho” é acompanhado da palavra “energia”: você precisa ter energia positiva! Não se sabe que energia é esta. Mais um desconhecimento, outra incerteza, que apenas aumentam a angústia do paciente.

4. “É a pior coisa que poderia acontecer com você.

“Há pessoas que confundem drama com empatia e pensam que o paciente se sente acompanhado e compreendido diante de expressões como: “Que horror passar por isso”’; “é a pior coisa que poderia acontecer com você”; “o câncer, já se sabe...”; “sua família deve estar arrasada”.
Se o otimismo exagerado não ajuda, o pessimismo alardeado também não.

5. “Não diga isso”.

Não se deve tentar impor ao outro o que ele deve dizer, pensar ou sentir.
Expressões como “não chore, você tem que ver a parte boa”; '”não diga isso, porque sua família tem de vê-lo bem; “você tem que estar feliz, porque foi diagnosticado a tempo”, além de inúteis, agravam a angústia do paciente, impedido de manifestar suas próprias emoções.
Respeite o outro.

6. “Aconteceu o mesmo com minha tia”.

“Comparar a situação do paciente com a de outras pode ser muito contraproducente, uma vez que cada caso é completamente diferente. O paciente sabe disso e não é capaz de se identificar com outros casos.”
Cada um sente sua própria experiência como um acontecimento único.

Uma boa orientação nesses casos é falar menos e ouvir mais. A pessoa com câncer e angustiada precisa falar, muito mais que ouvir. Além disso, ela é quem sabe de sua própria condição, e não aquele que chega bem intencionado, porém despreparado para lidar com a situação.