terça-feira, 13 de novembro de 2018

Duas recomendações a Suzete


Querida Suzete,

em falta com você porque tardam minhas respostas às suas deliciosas cartinhas, volto a lhe escrever. Passada a tormenta das eleições posso pensar melhor. Verdade que este “período de transição” não é menos tormentoso, uma notícia atrás da outra, algumas até interessantes, porém, melhor esperar para ver...
            Tenho duas coisas para lhe contar. A primeira é que tenho ouvido música como nunca ouvi em toda a minha vida. Diariamente. Bach e Beethoven são meus preferidos no momento, mas ouço de tudo, desde o barroco ao contemporâneo – sou fã de Ärvo Part! 
            Penso que os velhos (prefiro esta palavra a idosos) deveriam ouvir música todos os dias. Faz bem para os miolos, afetados pela ação do tempo. É terapêutico, para falar chique; faz bem à alma, singelamente.
            E me atrevo a oferecer uma recomendação aos velhos interessados: ouçam a mesma música várias vezes, duas, três, quatro, dez vezes; posso garantir que isso não cansa, não enjoa, é injeção na veia de entusiasmo, inunda o espírito tanto mais você ouve; talvez promova regeneração de neurônios...
            Os Noturnos de Chopin são peças ideais para este tipo de exercício. As Sonatas para Piano de Beethoven e os Quartetos para Cordas de Mozart prestam-se igualmente. Cada ouvinte haverá de buscar seus compositores preferidos. Talvez a boa música popular possa fazer o mesmo efeito. O Jazz certamente o fará. Não acredito que o funk possa trazer algum benefício. Preconceito meu?
            Querida Suzete, chamei de recomendação aos velhos porque ando preocupado com eles, ou com a velhice, melhor dizendo, por razões óbvias. Mas ela serve para todas as pessoas, do nascimento à morte, e certamente para uma especial cabeleireira como você, que só corta cabelo de homem. 
            A segunda recomendação, feita com humildade, é que escrevam haicais, moços e velhos. Os neófitos precisam informar-se sobre a história do haicai, sobre as variantes da técnica, ler alguns haicaistas brasileiros para ter uma noção da evolução deste poema japonês entre nós. Depois podem esquecer tudo isso e começar a escrever.
            É preciso um certo estado de espírito para compor um haicai. (Ontem mesmo postei no blog texto sobre interessante elemento presente com frequência no haicai, o humor. Fica a gosto do escritor.) 
            Não é preciso ser um Bashô ou um Guilherme de Almeida para compor um haicai; apenas seja você mesma, Suzete, e procure colocar seus sentimentos em três versos curtos, com ou sem rima, falando da Natureza ou não, a forma importa pouco hoje em dia. A emoção importa sempre! É preciso haver sentimento no haicai. (Um terceto não é necessariamente um haicai; um ótimo terceto será sempre um ótimo terceto, nem sempre um haicai; a intenção do autor fará a diferença.)
            Desculpe a repetição, Suzete, mas compor haicais também é terapêutico.
            Despeço-me para não cansar você com esta lenga-lenga de velho. Escreva, suas cartinhas são uma benção!
            Do amigo de sempre,
                                                           andré.
            

São Sebastião de Da Vinci

A foto do dia


Desenho de Da Vinci vai a leilão


Foto: Ed Alcock / New York Times