terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Crer ou não crer?

            
             Diante de minha Pequena Crônica de Natal, publicada ontem (http://loucoporcachorros.blogspot.com.br/2016/12/cronica-de-natal.html), na qual reafirmei (com humildade) minha condição de ateu, meu mais querido e precioso leitor teceu o seguinte comentário: “Ô vontade de acreditar em alguma coisa, hem?! Como deve ser duro descrer...”
            Antigamente a coisa era pior. Os ateus eram chamados de hereges e queimados em fogueiras erigidas em praça pública, para servir de exemplo, vestidos de roupa listrada de cinza, a cor do demônio, eles mesmos filhos do tinhoso!
            Mais recentemente, o bulling abrandou: quando alguém se diz ateu, o outro logo pergunta, “Ateu graças a Deus?”
            Até que chegamos à delicada interjeição “Ô vontade de acreditar...”. Admito que haja razões para que meu precioso leitor faça tais e tais afirmações, “Como deve ser duro descrer...”.        
            Vamos às razões.
É possível que minha Pequena Crônica tenha despertado no leitor algum sentimento de piedade (inconsciente?), mas não estou certo disso. Ele, o blogueiro, tem vontade de acreditar, mas não pode ou não consegue, coitado, e fica martelando na mesma tecla vida-a-fora, como que para convencer-se a si mesmo de sua condição de descrente.
De fato, com elevada frequência este blogueiro trata de religião, de Deus e de deus, a ponto de dividir a humanidade entre os que creem e os que não creem. Em época natalina, ele tem o prato cheio.
Mas podemos inverter a (pertinente) questão que meu leitor apresenta. Por que será que os que creem têm dificuldade em acreditar que é possível descrer com certo conforto? Assinalo com certo conforto pois admito que, em se tratando de conforto, consolo, desafogo, desopressão, bonança, repouso, refrigério, mitigação, amparo, vantagem, mercê, proteção, colheita, vindima, sumum bonun, nada melhor do que crer.
E como estamos todos vivendo ainda a infância da humanidade – inclusive os ateus – somos todos precisados vez por outra de um colinho.
Há uma razão mais forte, no entanto, para que este blogueiro volte ao tema em seus escritos. (Longe de mim comparar-me ao mestre, porém o mesmo acontecia com José Saramago, que embora ateu, escreveu O evangelho segundo Jesus Cristo, In nomine dei, A segunda vida de Francisco de Assis, e outros tantos congêneres, pois não perdia uma oportunidade para voltar ao assunto, o ilustre português.)
A razão é a fortíssima percepção que tenho de que crer ou não crer são condições que interferem diretamente e de forma decisiva em nosso modo de ser e de viver não apenas nossa vida como indivíduos, mas nossa vida em sociedade. Questões difíceis como o direito ao aborto, à eutanásia, ao suicídio assistido, sofrem influência tão determinante das proibições religiosas, que não podem ser pensadas livremente pelos que creem. A atuação da chamada bancada evangélica no Congresso Nacional decide sempre em função dos mandamentos religiosos, e não do que é necessariamente melhor para o povo brasileiro. Decide, sem precisar pensar.
Portanto, não é duro descrer. Ao contrário, é condição que propicia liberdade para pensar, sem dogmas, sem pecado, sem o milenar dilema certo ou errado. E isso traz conforto. (O que não exclui, às vezes, necessidade de colo...)
Para terminar (eu não pretendia uma resposta tão longa e complicada e séria), destaco que a liberdade a que me refiro passa longe da irresponsabilidade, do tudo-pode, do vale-tudo. A Ética é capaz de indicar o bom caminho.
Com carinho, ao meu precioso leitor!




4 comentários:

  1. Bela réplica, que bem merecia tréplica à altura da elegância. Para minha sorte, este espaço reservado para comentários não permite arrazoados tão extensos. Diria apenas que, visto de cada ponto de vista, cada um tem sua razão. E admito perfeitamente que a religiosidade repressiva que de fato tem estado em voga há milênios induz a graves e cruéis distorções. Mas não haverá possibilidade de uma espiritualidade aberta e libertadora?
    Continuo achando que a perspectiva do "nada" deve ser muito dura...
    De qualquer modo, o que eu admiro no louco é que ele sempre estimula a pensar, pensar, pensar...

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  2. Fico aqui só observando e absorvendo o "embate" de altíssimo nível de ideias, posicionamentos e perceptivas sem contar a retórica.
    Parabéns aos blogueiros por nos fazer pensar, pensar....

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