sábado, 10 de outubro de 2020

Líquenes e tronco

 



rubra buganvília

compõem a bela imagem

líquenes e tronco

Destino

Charge do dia 



André Dahmer


O audiófilo, o lutier e o poeta

 

Nem todos saberão o que significa ser um audiófilo. O Houaiss nem mesmo registra a palavra. O Dicionário Informal (muito bom, por sinal, traz até a palavra “avencário”!) dá a seguinte definição:

 

 “Aquele que gosta de ouvir e separar todos os diversos tipos de sons de alta fidelidade, desde os mais graves aos mais agudos existentes na música. Que gosta de ouvir, definir e reconhecer os diversos sons de alta fidelidade existentes na natureza.”

 

            Muito boa definição: o audiófilo gosta de sons, e em alta fidelidade; o audiófilo quase que despreza a música propriamente dita; ele pouco conhece da obra de grandes compositores, como Bach, Mozart, Beethoven; nem adianta perguntar se ele conhece Ärvo Part; se você tenta puxar assunto ele dirá, Você não é um audiófilo, é apenas um melômano.

            O audiófilo gasta fortunas em equipamentos de som cada vez mais sofisticados, cada vez maior a “fidelidade” dos sons. Diante dos aparelhos, ele se parece com uma criança de 5 anos, extasiada diante dos desenhos da cartilha, de um T de TATU, um B de BOLA, um Z de ZABUMBA. Como a criança que ainda não sabe juntar as letras, o audiófilo não junta os maravilhosos sons que é capaz de ouvir – muitos possuem ouvido absoluto.

 

            O lutier (grafia registrada pelo Caldas Aulete, mas ignorada pelo Dicionário Informal, que reconhece apenas luthier, embora registre “avencário”) é um construtor, um artista, um homem raro, com certeza. Imaginem! Fabricar um violino, uma viola, um violoncelo! Construir um cavaquinho para meu amigo Moisés! Escolher a madeira, prepará-la, tornear o instrumento, dar-lhe acabamento, ouvir por fim os sons das cordas a vibrar na caixa de ressonância! Que artista!

Ao que parece, com raras exceções, o lutier não conhece música,  raramente toca o instrumento que fabrica. 

 

Onde entra o poeta na crônica? Afirma Pessoa, “o poeta é um fingidor.” Portanto, não se pode confiar cegamente que há mesmo uma  “pedra no meio do caminho”; quem garante que a única solução seja “tocar um tango argentino”?; “se eu me chamasse Raimundo”, seria apenas uma rima (poesia não é a solução); quem disse que é “ferida que dói e não se sente”?; Manoel garante que “ovo de lobisomem não tem gema”; intermináveis fingimentos de poeta. 

Fingem o audiófilo, o lutier e o poeta. A Vida mesma é outra coisa.