Göbekli Tepe, sítio arqueológico localizado na Turquia, construído há pelo menos 12.000 anos. Vale a pena pesquisar.
Göbekli Tepe, sítio arqueológico localizado na Turquia, construído há pelo menos 12.000 anos. Vale a pena pesquisar.
“Essa magia encontrada na própria raiz da existência humana, criando simultaneamente um senso de fraqueza e uma consciência de força, um medo da natureza e uma habilidade para controlá-la, essa magia é a verdadeira essência de toda a arte.
O primeiro a fazer um instrumento, dando nova forma a uma pedra para fazê-la servir ao homem, foi o primeiro artista.
O primeiro a dar um nome a um objeto, a individualizá-lo em meio à vastidão indiferenciada da natureza, a marcá-lo com um signo e, pela criação linguística, a inventar um novo instrumento de poder para os outros homens, foi também um grande artista.
O primeiro a organizar uma sincronização para um processo de trabalho por meio de um canto rítmico e a aumentar, assim, a força coletiva do homem, foi um profeta na arte.
O primeiro caçador a se disfarçar, assumindo a aparência de um animal para aumentar a eficácia da técnica da caça, o primeiro homem da idade da pedra que assinalou um instrumento ou uma arma com uma marca ou um ornamento, o primeiro a cobrir um tronco de árvore ou uma pedra grande com uma pele de animal para atrair outros animais da mesma espécie – todos esses foram os pioneiros, os pais da arte.”
Ernest Fischer, A necessidade da arte
Zahar Editores, 1983 (p. 42)
Livro excepcional este, fundamental para quem deseja compreender a origem, o sentido e a necessidade mesma da arte.
Dois chimpanzés no Parque Nacional de Gombe, Tanzânia. Ian Gilby
“Cuidar das amizades, a melhor estratégia para os chimpanzés”: a reportagem é de Javier Salas para El País (17 AGO 2021).
O artigo começa descrevendo algumas peculiaridades de chimpanzés e bonobos: “Nossos primos mais próximos entre os grandes símios, os chimpanzés e os bonobos, tomaram dois caminhos evolutivos completamente opostos na hora de preparar seu sucesso reprodutivo. Os chimpanzés trilharam o espinhoso trajeto da violência e da coação para assegurar a descendência: os machos que mais batem nas fêmeas, por exemplo, têm mais chances de acasalamento. Já os bonobos continuaram a rota da seda: os machos não sabem quando é o período fértil das fêmeas, que por sua vez dirigem o grupo em um matriarcado, apostando em acasalar muito para aumentar as probabilidades de ter uma prole.”
Porém, se a reprodução ocupa tanto espaço nas relações entre eles, como explicar “que os chimpanzés se dediquem a mimos, cuidados e carícias, catando piolhos e alisando seus pelos mutuamente? Que sentido evolutivo faz reforçar amizades com quem vai tirar a sua oportunidade de procriar?”
Afirma o primatologista Joseph Feldblum, da Universidade de Michigan: “Os machos não passariam todo este tempo alisando outros machos e renunciando a tentar encontrar fêmeas ou comida a menos que obtivessem algum tipo de ganho com isso”. “Os machos cultivam amizades porque isso funciona.”
São dados reunidos no Parque Nacional de Gombe (Tanzânia) desde os tempos de Jane Goodall: “os cientistas puderam analisar a descendência dos machos que estreitam laços com outros companheiros, comparando àqueles que não o fazem. E obtiveram dois resultados: o primeiro não é nada surpreendente, e algo que já se sabia: os machos que mais têm contato com o macho alfa da comunidade ganham possibilidades de se reproduzir. Faz sentido: neste patriarcado, o alfa controla as fêmeas e permite a seus amigos que acasalem. “Puxar o saco do chefe não é nenhuma novidade”, observa Anne Pusey, coautora do estudo, da Universidade Duke (EUA), que passou três décadas organizando e digitalizando esse conjunto de dados único. E acrescenta: “Demonstramos que sempre valeu a pena”.
No entanto, os cientistas descobriram que “um chimpanzé macho tem 50% mais probabilidades de ter filhos se mantiver pelo menos duas fortes amizades com outros indivíduos equivalentes. Com exceção do alfa, a patente na hierarquia do grupo não impacta nas possibilidades de ter sucesso reprodutivo, mas, sim, em ter muitos amigos aos quais dedicar tempo e cuidados. A estratégia não é a competição violenta, e sim uma colaboração entre companheiros.”
É a primeira vez que se estuda a influência da sociabilidade na capacidade reprodutiva dos machos porque esta perspectiva sempre foi aplicada unicamente às fêmeas.
Talvez os benefícios destas relações sociais nos chimpanzés proporcionem pistas sobre o papel da amizade nos seres humanos. O estudo sugere que “os laços fortes entre os machos têm raízes evolutivas profundas e proporcionaram a base para as relações mais complexas que vemos nos humanos”, diz Gilby, da Universidade Estadual do Arizona.
Entre nós, há um dito popular: homem gosta de homem. As reuniões sociais em que casais são convidados revelam essa tendência: homens conversam com homens, mulheres com mulheres. Mas esta é tão somente uma blague, sem qualquer fundamento científico.
Por que somos a única espécie humana do planeta? A reportagem de Nuño Domínguez para El País traz ótimo resumo do conhecimento atual sobre a evolução humana (4 jul 2021).
“Três descobertas nos últimos dias acabam de mudar o que sabíamos sobre a origem da raça humana e da nossa própria espécie, Homo sapiens. Talvez − dizem alguns especialistas − precisemos abandonar esse conceito para nos referir a nós mesmos, pois as novas descobertas sugerem que somos uma criatura de Frankenstein com partes de outras espécies humanas com as quais, não muito tempo atrás, compartilhamos planeta, sexo e filhos.
As descobertas da última semana indicam que cerca de 200.000 anos atrás havia até oito espécies ou grupos humanos diferentes. Todos faziam parte do gênero Homo, que nos engloba. Os recém-chegados apresentam uma interessante mistura de traços primitivos − arcos enormes acima das sobrancelhas, cabeça achatada − e modernos. O “homem dragão” da China tinha uma capacidade craniana tão grande quanto a dos humanos atuais, ou até superior. O Homo de Nesher Ramla, encontrado em Israel, pode ter sido o que deu origem aos neandertais e aos denisovanos que ocuparam, respectivamente, a Europa e a Ásia e com quem nossa espécie teve repetidos encontros sexuais, dos quais nasceram filhos mestiços que foram aceitos em suas respectivas tribos como mais um.
Agora sabemos que devido àqueles cruzamentos todas as pessoas de fora da África têm 3% de DNA neandertal, ou que os habitantes do Tibete têm genes transmitidos pelos denisovanos para poder viver em grandes altitudes. Algo muito mais inquietante foi revelado pela análise genética das populações atuais da Nova Guiné: é possível que os denisovanos − um ramo irmão dos neandertais − tenham vivido até apenas 15.000 anos atrás, uma distância muito pequena em termos evolutivos.
A terceira grande descoberta dos últimos dias é quase detetivesca. Na análise de DNA conservado no solo da caverna de Denisova, na Sibéria, foi encontrado material genético dos humanos autóctones, os denisovanos, de neandertais e de sapiens em períodos tão próximos que poderiam até se sobrepor. Lá foram encontrados há três anos os restos do primeiro híbrido entre espécies humanas que se conhece: uma menina filha de uma neandertal e de um denisovano.
O paleoantropólogo Florent Detroit descobriu para a ciência outra dessas novas espécies humanas: o Homo luzonensis, que viveu em uma ilha das Filipinas há 67.000 anos e que apresenta uma estranha mistura de traços que poderiam ser o resultado de sua longa evolução em isolamento durante mais de um milhão de anos. É um pouco parecido com o que experimentou seu contemporâneo Homo floresiensis, ou “homem de Flores”, um humano de um metro e meio que viveu em uma ilha indonésia. Tinha um cérebro do tamanho do de um chimpanzé, mas se for aplicado a ele o teste de inteligência mais usado pelos paleoantropólogos, podemos dizer que era tão avançado quanto o sapiens, pois suas ferramentas de pedra eram igualmente evoluídas.
A esses dois habitantes insulares se soma o Homo erectus, o primeiro Homo viajante que saiu da África há cerca de dois milhões de anos. Ele conquistou a Ásia e lá viveu até pelo menos 100.000 anos atrás. O oitavo passageiro desta história seria o Homo daliensis, um fóssil encontrado na China com uma mistura de erectus e sapiens, embora seja possível que acabe sendo incluído na nova linhagem do Homo longi.
Por que nós, os sapiens, somos os únicos sobreviventes? Para Juan Luis Arsuaga, paleoantropólogo do sítio arqueológico de Atapuerca, no norte da Espanha, a resposta é que “somos uma espécie hipersocial, os únicos capazes de construir laços além do parentesco, ao contrário dos demais mamíferos”. “Compartilhamos ficções consensuais como pátria, religião, língua, times de futebol; e chegamos a sacrificar muitas coisas por elas”, assinala.
María Martinón-Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre Evolução Humana, com sede em Burgos, acredita que o segredo seja a “hiperadaptabilidade”. “A nossa é uma espécie invasiva, não necessariamente mal-intencionada, mas somos como o cavalo de Átila da evolução”, compara. “Por onde passamos, e com nosso estilo de vida, diminui a diversidade biológica, incluindo a humana. Somos uma das forças ecológicas de maior impacto do planeta e essa história, a nossa, começou a se delinear no Pleistoceno [o período que começou há 2,5 milhões de anos e terminou há cerca de 10.000, quando o sapiens já era a única espécie humana que restava no planeta]”, acrescenta.”
As descobertas permanecem em curso. Esta é a beleza da Ciência: não há verdade definitiva, porém os avanços conquistados baseiam-se em fatos, e fatos são verdades. Há muita gente no Brasil precisando pensar sobre isso.
https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-07-04/por-que-somos-a-unica-especie-humana-do-planeta.html
A reportagem é de Nuño Dominguéz para El País (08 abr 2021) e traz manchete chamativa: “Genoma europeu mais antigo revela sexo contínuo com neandertais.”
Foram descobertos ossos de quatro pessoas que viveram na Europa há 45.000 anos, com destaque para o crânio sem rosto de uma mulher que viveu na atual República Tcheca. Os restos dos outros três homens foram achados em caverna da Bulgária “junto a colares e estiletes típicos dos primeiros grupos de humanos modernos”. DNA destes fósseis, os mais antigos que se conhecem da nossa espécie, permitiram a reconstrução de todo o genoma.
Informa Dominguéz: “Os resultados mostram que um dos homens da Bulgária teve um parente neandertal menos de 180 anos antes. Os outros três indivíduos também tinham parentes dessa espécie. Todos descendiam de híbridos resultantes do sexo entre neandertais e sapiens. O genoma da mulher da República Tcheca também contém 3% de DNA neandertal.”
A conclusão é que os cruzamentos entre neandertais e humanos modernos foram muito mais frequentes e recentes do que se pensava. Há uma teoria surpreendente, a de que “os neandertais nunca se extinguiram totalmente, tendo sido, em vez disso, absorvidos pelos grupos sapiens, que os aceitaram em seu meio.”
O geneticista Carles Lalueza-Fox tem a seguinte hipótese: “É possível que os humanos modernos tolerassem os híbridos, e os neandertais, não. Ou pode ser que os neandertais rejeitassem seus filhos híbridos depois de nascidos”. O geneticista explica que “os grupos neandertais eram muito pequenos e endogâmicos, fechados e isolados entre si. Já os grupos sapiens podiam ser mais amplos e sociais, abertos ao contato e à colaboração com outros. Em todo caso, “a assimilação dos neandertais é um cenário muito possível, de forma que os únicos que sobrevivem afinal são os que acabam em grupos sapiens. Depois, seu sinal genético vai se diluindo com o passar do tempo”.
Os quatro humanos agora analisados tinham pelo menos 3% de DNA neandertal e sequências genéticas muito mais longas que os humanos atuais.
E o reconhecimento progressivo da Evolução das Espécies, incluindo a humana, continua a ser desvendado.
A pintura rupestre de Leang Tedongnge (Indonésia)
que mostra o desenho de um javali da espécie ‘Sus celebensis’,
pintado há pelo menos 45.500 anos.
“A caverna de Leang Tedongnge, localizada na ilha indonésia de Celebes, abriga a obra de arte mais antiga do mundo conhecida até agora: um javali de 136 centímetros de comprimento por 54 de altura, pintado há mais de 45.500 anos, conforme revela um artigo publicado nesta quarta-feira na revista Science.” Informa Juan Miguel Hernández Bonilla (14 Jan 2021), para El País.
Caverna Leang Tedongnge na ilha de Célebe na Indonésia.
O texto é do grande Fernando Reinach, para O Estado de S.Paulo
(7 nov 2020), sob o título Fósseis de mulheres caçadoras sugerem que divisão de tarefas por gênero é recente na história humana.
A ideia de que mulheres criam os filhos enquanto os homens sustentam a família, vigente até tempos recentes, também foi observada em sociedades primitivas, a ponto de se pensar que esse arranjo sempre existiu entre os Homo sapiens.
A caça de grandes mamíferos sempre foi pensada como uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Afirma Reinach: “É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia.”
Em 2013, no Peru, a 3.925 m acima do nível do mar, foram encontrados grande quantidade de artefatos humanos e vários esqueletos, entre estes o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ao lado dela foram achados artefatos que “deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo” (pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro), usados na caça de grandes animais.
Concluem os arqueólogos: “Essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais.”
Novas pesquisas revelaram dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile, e “aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres”.
“A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça.”
A divisão das tarefas entre os sexos, portanto, vem sofrendo modificações em seu arranjo familiar há milênios, fato que se pode observar nos dias de hoje: mulheres saem para trabalhar enquanto homens cuidam da casa e dos filhos. E em tempos de peste, os homens aprendem a cozinhar...