A seguinte
nota foi publicada no Estadão de hoje:
“Uma caneta que pertenceu ao escritor Graciliano Ramos
(1892-1953) foi furtada da exposição Conversas de Graciliano Ramos,
aberta terça-feira, 17, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS). Na
montagem da mostra, três canetas estavam expostas em uma instalação que simula
o ambiente de trabalho do escritor. Na quarta (17), porém, apenas duas
permaneciam no local.” (1)
Fico aqui matutando quem teria sido o ladrão da caneta.
Se foi um gatuno comum, igual a tantos espalhados por aí, neste país de
ladrões, só me resta lamentar o ocorrido. Coisa mais grosseira e sem graça.
Provavelmente ele irá vender a peça a algum colecionador de quinquilharias, ou
naquela feira de antiguidades embaixo do MASP, frequentada por colecionadores
de bugigangas, o que também não tem graça alguma.
Há uma segunda hipótese, e mais adiante explico de onde
me veio tal ideia. É a de que o ladrão seja um fã ardoroso de Graciliano,
leitor compulsivo de toda a sua obra, admirador incondicional do alagoano!
Nesse caso, sinto até mesmo um certo constrangimento em chamá-lo de ladrão.
Imagino que o homem nunca tenha roubado nada em toda sua vida, que jamais tenha
emitido um cheque sem fundos, nem entrou em metrô sem pagar o bilhete. Trata-se
de um sujeito íntegro, como poucos!
Momentos de fraqueza, quem nunca os teve?
Nosso homem, assim que soube da tal exposição, não perdeu
tempo, pediu ao chefe para faltar o serviço, É por motivo de força maior,
alegou. Saiu cedo de casa, vestindo a melhor roupa domingueira, dirigiu-se ao
Museu da Imagem e do Som, com dificuldade para conter a excitação, na
expectativa de conhecer melhor a intimidade de seu autor predileto, mesmo
tantos anos após a morte dele.
De repente, deparou-se com aquela escrivaninha humilde, a
antiga máquina de escrever, algumas folhas soltas manuscritas, o tinteiro com
tampa de prata, e aquelas três canetas de madeira com as respectivas penas de
metal. Graciliano havia de tê-las nas mãos milhares de vezes. Tocá-las seria um
verdadeiro milagre, pensou. Nosso homem estava emocionado!
Encontrava-se paralisado diante daqueles objetos há mais
de meia hora. Não conseguia desgrudar deles. Olhou em volta, ninguém na sala. O
impulso surgiu como o de um cão bravo que late primeiro, só depois olha quem
está chegando. Pegou uma das canetas, colocou-a no bolso interno do paletó,
deixou a exposição sem ao menos vê-la por inteiro.
Na rua, pegou o primeiro taxi que passou, foi direto para
casa. Trancou-se em seu quarto, isolado do mundo, e contemplou, extasiado, a
caneta que fora de Graciliano Ramos, e que agora era sua.
De onde me veio esta ideia? Bem, tudo vem da infância.
Os três filhos pequenos, residentes no interior, num
tempo em que não havia computador, éramos fanáticos por Monteiro Lobato. Ao
chegar na última página, fechávamos o livro, voltávamos ao início, como se agora
fôssemos lê-lo pela primeira vez. Fizemos isso com a coleção inteira. Meu
favorito? Os doze trabalhos de Hércules, em dois volumes.
Mais crescidinho, não me recordo bem em que
circunstância, fomos visitar a casa onde havia morado Monteiro Lobato, em
Tremembé, na época pequena cidade próxima a Taubaté, onde nascera meu querido
irmão. (Hoje, quando Tremembé surge no noticiário, é porque alguém famoso, um
criminoso de verdade, está sendo levado para a penitenciária local.)
Encontramos uma tapera, casinha pequena caindo aos pedaços, cercada de mato
crescido, completamente abandonada. Aquilo era de cortar o coração do menino.
Durou pouco
tempo a melancólica visita. Mas na hora de ir embora, resolvi levar um
lembrança da casa do meu adorado Monteiro Lobato. (Hoje penso: teria ele mesmo
morado alí algum dia?) Cruzava já o portal de saída, quando observei a madeira
toda carunchada por cupins deste mesmo portal. Com cuidado, arranquei um
pequeno pedaço da madeira – não media mais que dez centímetros de comprimento
–, que facilmente veio-me às mãos. Escondi a relíquia no bolso da calça curta
cáqui, que então usava, e mantive o segredo daquele furto até hoje.