Está em voga a
defesa das minorias.
Nem preciso
enumerar de quais minorias estou falando; são tantas e tão diversificadas que,
de repente, podem até tornar-se maioria!
Mas há um
certo tipo de minoria que até agora permanece vulnerável, não há quem se
disponha a defendê-la, nunca se soube de guardião disposto a protegê-la da
sanha do populacho politicamente incorreto. Estou a falar dos estrábicos! E esta a classe que
pretendo defender.
Tudo começou com a notícia publicada em jornal de grande
circulação, fazendo referência aos tais
deficientes visuais, se é que assim podem ser classificados, pois geralmente
não há deficiência alguma na visão propriamente dita. A deficiência é apenas, e
literalmente, na aparência.
Tratava-se de reunião entre três caciques da política
nacional (às vezes um clichê parece insubstituível), realizada de modo mais ou
menos secreto, pois o tema era grave: possíveis candidaturas à presidência da
república. Não é brincadeira lidar com o ego de caciques, ainda por cima
presidenciáveis... O artigo era longo, e lá pelo meio surge o parágrafo aparentemente
ingênuo, despretensioso, sem maldade, porém, no fundo, bastante provocador:
“Um detalhe irrelevante no
conteúdo, mas significativo do ponto de vista dessa relação algo estrábica
(cada um olha em direção diferente): o senador diz que conversaram durante três
horas e o ex-governador afirma que a reunião durou pouco mais de uma hora.”
Alguém
faltava com a verdade e o repórter não perdoou. Como as divergências eram bem
maiores que uma simples questão de alguns minutos a mais ou a menos, o
articulista saiu-se com a pérola – “relação algo estrábica” –, que me parece
francamente pejorativa. Bem verdade que cada político tinha o olhar voltado
para direções diversas, segundo seus próprios interesses, mas fazia isso com os
dois olhos, e mais olhos tivesse, endereçava-os todos na mesma direção. Isso
pode ser ganância, não estrabismo...
O estrábico usa apenas o
olho que fixa o objeto do olhar. No estrabismo alternante, isso pode ocorrer
com ambos os olhos, mas cada um “olhando” de cada vez. Se a imagem de ambos os
olhos chegarem simultaneamente ao cérebro – que é quem vê! –, aí sim, o sujeito
vê duas imagens, enxerga dobrado, o que vem a se chamar diplopia. Mas não é
isso que ocorre na prática; o estrábico olha na direção correta, e esta é a
relação dele para com o mundo real.
Portanto, não me venham com
essa de que o estrábico olha em direções diferentes, como certos políticos interesseiros.
Assim fosse, não seria possível que ele pudesse tornar-se um bom cirurgião.