(Roteiro para
discussão em grupo
com estudantes
de Medicina)
Muito
se tem escrito sobre a importância da relação médico-paciente (RMP), na maioria
das vezes enfatizando-se os aspectos ligados ao paciente, como a fragilidade
ocasionada pela doença, pela dor física e psíquica, pelo medo da morte, entre
outros. Tais fatores são todos verdadeiros e importantíssimos, e devem ser
cuidadosamente observados pelo médico.
Entretanto,
já que se trata de uma relação, é preciso lembrar que a moeda tem duas faces.
Pouco ou nada se fala a respeito do médico, de seu comportamento e atitudes
perante o paciente, o que certamente há de influenciar de forma decisiva a RMP.
De
que é feito um bom médico? De que se constitui? Como se forma um bom médico?
São perguntas difíceis, porém fundamentais, para as quais certamente não há
respostas completas e definitivas. Não importa; já se afirmou que “o que
estraga a pergunta é a resposta”. De modo que, se no futuro os estudantes de
Medicina mantiverem em mente estas questões em seu cotidiano profissional, me
dou por satisfeito.
Nada
nos impede, no entanto, de arriscar uma resposta, como estímulo ao nosso
aparelho de pensar. O bom médico é composto por três elementos fundamentais,
cada um deles comportando uma miríade de outros subelementos.
O
primeiro deles é o conhecimento técnico-científico inerente à Medicina. Sem
isso, teremos apenas charlatães, alguns dos quais chegarão a ser “bem
sucedidos” na profissão. Em consequência, é preciso estudar, estudar, estudar
sempre, estudar enquanto for exercida a profissão de médico. O profissional
desatualizado chega bem perto do charlatão; ele pode até ser bem intencionado,
porém já não pode atender seu paciente com a eficiência desejada.
A
imensa complexidade da Medicina levou inevitavelmente à especialização médica e
às subespecializações, no afã de aprofundar o conhecimento em cada área
específica. Talvez possamos considerar o chamado clínico geral também um
especialista, em generalidades. Isso tem profundas implicações no ensino médico,
mas que não cabe no escopo deste pequeno texto.
A
Internet tem se constituído numa ferramenta poderosa e eficiente na função de
manter os profissionais atualizados, em todas as áreas do conhecimento humano.
Manejá-la bem é obrigação do médico contemporâneo. (Não é raro, nos dias de
hoje, que o próprio paciente tenha pesquisado sobre seus males na Internet,
antes da consulta médica. Cuidado, ele pode chegar muito bem informado...)
O
segundo elemento a compor o bom médico é o “bom senso”, ou senso comum. Ou
senso clínico, se assim o desejarem. Não estou certo se se trata de uma
condição inata, mas não há dúvida que pode ser aprimorada constantemente. O
fato é que desde cedo, enquanto alguns estudantes revelam enorme aptidão para o
atendimento médico, do qual a RMP é fundamental, outros mostram-se completamente
inábeis, desajeitados, ansiosos, pouco à vontade diante do paciente. Estes
devem procurar especialidades médicas nas quais o contato com o paciente é
mínimo ou até mesmo inexistente. Alguns encontram na pesquisa o lugar ideal
para se desenvolverem com sucesso. (De resto, a escolha da futura especialidade
deve ser cuidadosamente pensada, discutida, para que se evitem equívocos
capazes de destruir a vida de um profissional.)
Chegamos
ao terceiro e mais complexo elemento constituinte de um bom médico. Complexo
pela sua abrangência e dificuldade para ser alcançado, porque demanda
tempo e forte disposição de espírito.
Refiro-me à cultura geral. Sua aquisição começa bem antes do curso de Medicina
e depende, no início, do adequado ensino fundamental. Quando o estudante chega à
Universidade, espera-se que ele já traga um bom cabedal de conhecimentos ditos
gerais, nas diversas áreas do conhecimento, particularmente na área
humanística. O que há de influenciar decisivamente sua formação como ser
humano, e por conseguinte, sua atuação como médico.
Penso
que o contato com as artes de modo geral, e com a Literatura e Filosofia em
particular, seja da maior importância na formação do médico. Além de
proporcionar o melhor conhecimento do ser humano – o objeto mesmo de trabalho
da Medicina – este contato auxilia a pessoa do médico na difícil compreensão da
existência, na aceitação das continuadas frustrações ao longo da vida, nas
agruras da prática médica cotidiana. Ajuda, enfim, no conhecer-se a si mesmo.
Só assim será possível o melhor relacionamento com o outro, seja ele um
paciente ou não. Dá-se a isso o nome de formação humanística.
Do
mesmo modo que a Medicina é uma ciência que requer o livre pensar para se
desenvolver, essa cultura geral deve ser perseguida também com total liberdade
de pensamento, despojada de quaisquer fundamentalismos ou pré-concepções. A boa
notícia é que temos a vida toda para isso!
Diversos outros subelementos constituintes do bom médico,
como por exemplo a capacidade de desenvolver empatia, o saber ouvir, o total
comprometimento para com o paciente, podem ser enquadrados nos três elementos
fundamentais acima descritos.