Óleo The Agnew Clinic de Thomas Eakins, de
1889.
Em sua crônica de hoje na Folha de S.
Paulo (15/3), Os destinos do obsessivo,
o psicanalista e pensador Fancisco Daudt fala de um aspecto do funcionamento
mental pouco comentado, o de que um determinado traço psíquico pode tornar-se
doença, ou pode trazer ganho para seu portador.
Ao falar da obsessividade, Daudt afirma
que ela surge a partir de duas premissas genéticas: “inteligência (não há
obsessivos burros) e herança (pode procurar nos familiares)”.
“A partir daí ela seguirá dois
possíveis destinos típicos: o hipercultural e o contracultural. No primeiro, é
como se ela [a criança] quisesse mostrar que não precisa ser mandada, pois já
sabe cumprir as leis da cultura, e sabe-as muito melhor do que todos. É a
criança certinha que não dá trabalho.
No contracultural, ela é rebelde, se vinga das imposições
da cultura. Começa por não fazer no penico, e sim no tapete da sala. Em sua
campanha negativista de protesto, será bagunceira, impontual, procrastinadora,
respondona, desmazelada com suas roupas e com a higiene, tenderá a aderir à
tribos bizarras. ... o ser contracultural, prisioneiro da vingança, é um
obsessivo de carteirinha.”
Afirma
Daudt que a obsessividade pode ser “uma bênção...”, mas ela precisa tornar-se “um
instrumento de seu portador”. Se este mesmo portador passa a ser escravo dela,
aí vira doença.
Acrescento
aqui meu testemunho de que esta teoria parece-me correta. Desde sempre sou da
opinião que, se algum dia eu precisasse ser operado, escolheria um cirurgião
obsessivo! E não digo isso sem fundamento: eu mesmo fui um cirurgião obsessivo.
Que o comprovem meus colegas e ex-alunos, especialmente aqueles que foram meus
residentes (e sofreram em minhas mãos).
Quando
iniciei meu aprendizado em Cirurgia, ainda estudante de Medicina, e ao longo de
toda minha carreira, observei que havia dois tipos de profissionais: os que
desejavam terminar logo com o que estavam fazendo, sem se importarem como o faziam, e aqueles minuciosos,
detalhistas, demorados no que faziam, sem pressa de acabar. Bem mais tarde
passei a classificar estes últimos de obsessivos, verdadeiro dom para a formação
de um bom cirurgião. É a obsessividade construtiva!
Penso que
este meu traço psíquico tenha ficado por aí, que não tenha virado doença. Salvo
uma ou outra exceção...