quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Tudo é rio

 

 

Acabo de devorar Tudo é rio, livro de estreia de Carla Madeira, editado pela Record em 2014, agora em sua sexta edição (2021). Gostei muito.

            Intrigou-me o fato de que o livro não tenha sido tão ‘badalado’ desde a sua primeira publicação; se foi, houve um período posterior de silêncio, quebrado pela última edição. Resolvi pesquisar sobre alguma crítica, conhecer o ponto de vista profissional sempre interessante, vindo da polêmica figura do chamado crítico literário.

            Vejamos o que diz Luís Augusto Fischer, Professor de Literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para a Folha de S. Paulo, em junho do corrente ano:

“O silêncio permaneceu imóvel. O esquecimento começava a jogar seu manto. É destino da intimidade abrir passagem para a indelicadeza. A boca fez um silêncio delicado.

Essas frases são poéticas? Quem responder positivamente é o leitor certo para "Tudo É Rio", de Carla Madeira. 

As frases desse postulável teor poético estão espalhadas pelo texto todo, que encanta certo tipo de leitor (o mesmo que celebra Isabel Allende). Mas os personagens são muito próximos do "tipo", figuras com pouca densidade psicológica, e o romance resulta trivial. É um romance, com um nítido triângulo amoroso em seu centro, mas com estratégias de folhetim e um tempero de fábula.”

 

            Às tantas, Fischer ameniza, para atacar em seguida: “Madeira mostra domínio dos meios expressivos, na linguagem e nas variáveis estruturais da narrativa, que rendem passagens de discurso indireto livre muito bem construídas. Há também momentos em que um ou outro personagem ameaça se converter numa figura mais complexa, capaz de acrescentar à experiência da leitura mais do que o passatempo. Mas o domínio geral é do estilo folhetinesco, que será capaz de sustentar, quem sabe, uma série adulta bem filmada, a ser vista em maratona de fim de semana e logo esquecida.”

 

            O certo é que Tudo é rio, agora na sexta edição, não foi esquecido. Como Nelson Rodrigues nunca saiu de moda, com seus folhetins – às vezes sob o pseudônimo Suzana Flag –, publicados durante mais de dez anos no jornal Última Hora, e em livro, com título A vida como ela é...

            O Professor Fischer tem razão quando destaca as tais frases que ocupam todo o livro de Carla Madeira; isso pode ser cansativo em alguns momentos, talvez haja exagero; mas algumas delas são ótimas, feitas de palavras escolhidas a dedo, com cuidado e sensibilidade criativa. Grande número de escritores utiliza tal recurso; cito apenas o festejado Mia Couto, que de início talvez exagerasse, parecendo plagiar Guimarães Rosa; depois corrigiu. 

             Em tempo, uma observação e uma advertência: não gosto do estilo de Isabel Allende; quem não gosta de palavrão, melhor não ler o livro.

            Cito algumas dessas frases, para avaliação do meu eventual leitor:

“Uma guilhotina afiada corta as nossas mãos, e todas as rédeas escapam.”

“Ninguém monta na vida.”

“Brincamos de escolher, brincamos de poder conduzir o destino.”

“Que ruindade era aquela de pisar em ferida aberta?”

”Mas, se a bondade condenava sincera de um lado, a maldade acolhia o espetáculo.”

“O pior de nós tem seus encantos.”

“Dalva sempre começava soltando os cabelos como se precisasse se cobrir um pouco antes de ficar nua.”

            O que posso fazer é sugerir que leiam Tudo é rio: alguns vão gostar, outros nem tanto. “Pão ou pães, é questão de opiniães”, afirmou Guimarães Rosa.

            Ah!, a capa desta segunda edição está linda.





https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/tudo-e-rio-tem-trama-com-estilo-de-folhetim-e-tempero-de-fabula.shtml