sexta-feira, 30 de junho de 2017

Aldravia n.61



ásperas
podas
a
coluna
que
dói


Foto: A.Vianna, jun 2017, jardim.

Logoteca


Interessantíssima a crônica de Sérgio Rodrigues, autor festejado de "Viva a língua brasileira!" (Cia. das Letras), com o título Uma coleção de gulodices para quem tem fome de palavras, para a Folha de S.Paulo (29/06/2017).
Afirma Rodrigues: “A palavra "logoteca" não está nos dicionários. É um neologismo que significa coleção de palavras e que proponho aqui como tradução do inglês "philavery", também um vocábulo inventado. Acredito que "logoteca" seja uma daquelas traduções que melhoram o original. "Philavery", definido como "coleção idiossincrática de palavras raras e divertidas", foi um termo cunhado sem rigor etimológico pela sogra do inglês Christopher Foyle.”
            Rodrigues fala em “cultivar palavras raras como plantas de estufa”. E enumera algumas delas, com a respectiva “tradução” (sinônimos), que omito aqui, para instigar o leitor a aumentar sua própria logoteca: prolegômeno, coruscante, conspícuo, aura hierática, lábil, funâmbulo, pulcritude, logodedália,  campanudo, inconsútil, abispado, atrabiliário, prosápia, morigeração.
            Rodrigues, ao falar de palavras raras, bem que podia ter citado Evandro Affonso Ferreira, autor de “araã!”, “Os piores dias de minha vida foram todos”, “O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam”, dentre outros, escritor premiadíssimo, dono de uma logoteca imensa. Vai aqui minha dica para quem está interessado no assunto. (Além de mim e meu irmão, haverá mais alguém?)
            Confesso que sinto inveja de quem é capaz de criar uma palavra. Em seu ostentoso De amor e trevas, Amós Oz faz referência a um certo Tio Yossef, homem de grande saber linguístico, que inventou palavras para representar coisas simples de uso cotidiano como revista, lápis, geleira, camisa, estufa, rosquinhas, carga, monótono, rinoceronte etc, com o intuito de ampliar o vocabulário da língua hebraica.
            Sobre isso, Oz escreve (com emoção) texto que aqui reproduzo:

“Quem consegue criar uma nova palavra e injetá-la na corrente sanguínea de uma língua me parece que por muito pouco não conseguiria criar as trevas e a luz: se você escrever um livro, talvez com alguma sorte, as pessoas o lerão e apreciarão por um tempo, até livros novos e melhores aparecerem e tomarem o lugar do seu nas prateleiras. Mas aquele que criar uma nova palavra, este tocará a própria eternidade.”

            Amós Oz também tem fome de palavras! Talvez tenha o desejo de imortalidade, manifesto através da criação de palavras.