Sob o título Razões para proibir o xadrez, o artigo de Leontxo
García publicado no El País de 24/1/2016 dá o que pensar. O grão-mufti (autoridade religiosa) da
Arábia Saudita acaba de proibir o jogo de xadrez em todo o reino!
Afirma Abdulaziz al-Sheikh, o tal grão-mufti,
sobre o jogo: “Faz do pobre um rico, e do rico um pobre. Cria hostilidade e faz
perder tempo”. Ou seja, iguala aqueles que o praticam, e isso é considerado um
problema.
O grão-mufti diz ainda que o xadrez estimula apostas em dinheiro, o
que é proibido pelo Corão. Isso ocorria na Idade Média, mas desapareceu desde
então. Alerta Garcia: “Há apostas na Internet sobre o resultado dos torneios,
como ocorre em quase todos os outros esportes. Mas é muito improvável que
Abdulaziz al-Sheikh se refira a isto, porque então teria de proibir todos os
esportes.”
E o grão-mufti continua: “O xadrez é obra de
Satanás”. O imã Khomeini já havia proibido o jogo logo após o triunfo da
Revolução Islâmica do Irã, em 1979, afirmando: “O xadrez é um jogo diabólico
que perturba a mente de quem o pratica”. Khomeini mudou de ideia antes de
morrer e o Irã é hoje uma das grandes potências do xadrez asiático.
O Talibã afegão também o proibiu, em
1996, e os jogadores da seleção nacional tiveram que fugir do país para
participar das Olimpíadas de Xadrez e de outros torneios.
Leontxo
García enumera uma curiosa série de proibições ao longo dos séculos:
“[O xadrez] foi proibido em algum
momento pelo cristianismo, pelo islamismo e pelo judaísmo. Buda vedou os
jogos praticados nos tabuleiros de oito por oito casas. O monge cisterciense
francês São Bernardo de Claraval, no século XII, definiu o xadrez como “um
prazer carnal”. O arcebispo de Florença achava o xadrez “vergonhoso, absurdo e
asqueroso”. E algo parecido ocorreu no século XIII com o arcebispo de
Canterbury, que qualificou o xadrez como um “vício execrável” e condenou o
prior de Norfolk a três dias a pão e água após descobrir que ele era
enxadrista. Durante os tempos da Santa Inquisição, o famoso Savonarola,
confessor de Lourenço de Médici, ameaçou à condenação eterna quem fosse
flagrado jogando xadrez. Finalmente, embora por razões muito distintas, o
Governo chinês proibiu o xadrez (assim como a música de Beethoven e tudo aquilo
que tivesse qualquer ar “ocidental”) no contexto da Revolução Cultural
(1966-1976).”
O papel dos
árabes na evolução histórica do xadrez foi fundamental. Eles o difundiram entre
os persas e o levaram para a Espanha. De início era praticado pelos ricos, mas
nos séculos seguintes difundiu-se a tal ponto que “o rei Alfonso X, o Sábio,
escreveu no século XIII um livro de xadrez onde sugere a ideia de que esse jogo
seria uma magnífica ferramenta para favorecer a boa convivência entre
muçulmanos, judeus e cristãos”, afirma Garcia. Atualmente a Federação
Internacional de Xadrez aglutina 188 países, inclusive quase todas as nações
muçulmanas.
Qual então a verdadeira ameaça
representada pelo jogo do xadrez? Leontxo
García conclui seu artigo de forma magistral: “o fato de os cidadãos
pensarem pode ser muito perigoso para os líderes extremistas irracionais”.
A célebre frase de Guimarães Rosa,
repetida à exaustão no Grande Sertão, – “viver é muito perigoso” –, também pode
ser expressa e resumida da seguinte maneira:
– Pensar é muito perigoso!
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