sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Mais de uma luz


            Amós Oz acaba de lançar precioso livrinho intitulado Mais de uma luz, contendo três ensaios, o primeiro sobre o fanatismo, o segundo sobre o judaísmo, e o terceiro baseado em duas palestras que o autor proferiu em 2015, em Israel. Desejo deter-me no segundo ensaio, Luzes e não [uma só] luz, onde Oz trata do judaísmo como cultura, e não apenas como religião ou nacionalidade.
            De início, afirma que “Existe realmente uma nação judaica, mas ela se distingue de muitas outras nações pelo fato de que o percurso de sua vida não se pontua por seus genes nem por vitórias no campo de batalha, e sim por livros.” Penso que o autor refere-se a um percurso bem mais antigo, pois atualmente o estado de Israel caracteriza-se pelo emprego da força desproporcional contra os palestinos. A prova disso é que mais adiante ele clareia esta ideia: “Nos bons tempos, a civilização do povo de Israel era uma civilização de dúvidas e de opiniões diferentes. Durante milhares de anos, os judeus acumularam camadas sobre camadas de textos relacionados a textos que os antecediam, estes também relacionados a textos anteriores.”
            “Qual é então o cerne mais íntimo do judaísmo?”, pergunta Oz, e seu texto flui com o brilhantismo de sempre, a esbanjar cultura, prendendo o leitor como se ele lesse um bom romance. Um ensaio extraordinário!
            Porém, há uma passagem que me despertou enorme curiosidade e interesse, logo na segunda página do ensaio:

“Jesus Cristo disse a seus discípulos: “Perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem”. Eu discordo de Jesus, não quanto ao “perdoa-lhes”, pois é possível perdoar; eu discordo exatamente do “eles não sabem o que fazem”. Jesus com frequência atribui a toda a humanidade uma condição de infantilidade moral, de quem pratica o mal só porque não sabe que o que está fazendo é mau. Trata-se de um engano, e é enganador: quando causamos dor a outra pessoa, ou a um animal, sabemos muito bem o que estamos fazendo. Até mesmo uma criança pequena. A dor é, pelo visto, o denominador comum mais amplo de todo o gênero humano. Quem nunca a experimentou?”

            Em primeiro lugar, foi uma boa surpresa ver como Oz discorda de Jesus de maneira desabrida, às claras, com indiscutível honestidade de pensamento, e ele é capaz de dizer isso ao leitor sem subterfúgios. Isso é liberdade de pensar. Ele discorda veementemente do “eles não sabem o que fazem”.
            Em essência, estamos a tratar aqui do livre arbítrio, problema filosófico que vem sendo discutido há séculos. Desde já reconhecendo a total incompetência deste blogueiro para meter sua colher nesse perigoso caldo, mesmo assim desejo manifestar minha opinião de ateu, de que Jesus estava certíssimo!
            Depois da descoberta do Inconsciente por Sigmund Freud, a humanidade sofreu duro golpe em sua vaidade e autoestima, pois o homem não é senhor de si mesmo, para expressar esta ideia de maneira bem simples e direta. Eles, de fato, não sabem o que fazem.
            Quanto à “infantilidade moral” a que se refere Oz, poucas vezes vi expressão que se aplique tão bem à humanidade, ao longo dos séculos. Não poderia ser de outra maneira: a humanidade encontra-se em sua infância emocional, engatinhando no processo de evolução da espécie. Ela tem dificuldade para discernir entre o bem e o mal. Volto a Freud, que afirmou corajosamente que o recém-nascido primeiro manifesta ódio, para só depois aprender o que é amor. Entre Jesus e Barrabás, escolheram Jesus para infligir dor, sangue e morte.
            Se a coisa toda se passou mesmo como relata o Novo Testamento, se Jesus proferiu de fato “eles não sabem o que fazem”, podemos supor que Jesus conhecia como ninguém aqueles a quem tratou como filhos.
            Vale a pena ler Amós Oz, para concordar ou discordar, livremente. 

História completa

 “Eu era neonazista até ser presa e me apaixonar por uma negra.”


Este microconto perfeito é a transcrição da manchete publicada por Claire Bates, para a BBC World Service, em 30 ago 2017.  (http://www.bbc.com/portuguese/internacional-41080545)


O leitor curioso pode acessar o site acima e tomar conhecimento da história completa, porém, a manchete – que eu chamo de microconto perfeito – diz tudo, é uma história com início, meio e fim, como manda a receita do bom microconto.