sábado, 5 de maio de 2018

Sol na cabeça quando criança



Geovani Martins, na favela do Vidigal - RJ, onde mora
Foto: Zo Guimaraes / Folhapress


Geovani Martins está na berlinda, com seu livro de estreia O Sol na Cabeça (Companhia das Letras, 2018), “título mais rumoroso da ficção brasileira em muito tempo”, segundo o respeitadíssimo Sergio Rodrigues.
            O mesmo Sergio Rodrigues afirma que “Geovani Martins ainda não passou pelo teste do tempo, mas acredito que “O Sol na Cabeça” esteja bem equipado para sobreviver a ele”. Fiquei mais aliviado ao ler isso e resolvi escrever sobre o livro que li há três semanas, e não sabia muito bem o que pensar. Se tem que passar pelo crivo do tempo, então há, no mínimo, certas restrições a ele, ou alguma dúvida quanto ao seu real valor literário.
            Tais restrições provavelmente referem-se ao abuso de gírias e da oralidade. O primeiro conto, Rolézim, além das gírias, traz uma linguagem dura, despudoradamente antigramatical, com intenção de originalidade, mas de gosto duvidoso, segundo meu ponto de vista. Eis pequena amostra (de resto, é tudo assim):

“Quando nós viu era quase de noite. Uma larica que, sem neurose, era papo de quarenta mendigo mais vinte crente. Tava na hora de meter o pé. E foi aí que rolou o caô. Nós tava tranquilão andando, quase chegando no ponto já, aí escoltamos os canas dando dura nuns menó. A merda é que um dos cana viu nós também, dava nem pra voltar e pegar outra rua.  Mas até então, mano, tava devendo nada a eles, flagrante tava todo na mente, terror nenhum. Seguimo em frente.”

            Depois que atravessamos o cipoal e chegamos a Espiral, o segundo conto, o alívio é enorme, ao ler trechos que, sem dúvida, dizem respeito às experiências pessoais do autor:

“As pessoas costumam dizer que morar numa favela de Zona Sul é privilégio, se compararmos a outras favelas da Zona Norte, Oeste, Baixada. De certa forma, entendo esse pensamento, acredito que tenha sentido. O que pouco se fala é que, diferente das outra favelas, o abismo que marca a fronteira entre o morro e o asfalto na Zona Sul é muito mais profundo.”

            Agora, nada de especial na forma. Mas as histórias são bem contadas, ambientadas no universo da favela – que eu mesmo desconheço –, onde encontramos o pichador, o maconheiro, o craqueiro, o soldado do tráfico, o bom policial e o policial corrupto.
A maior parte da crítica que pude encontrar é favorável ao livro, algumas delas desmancham-se em elogios. Vejamos o que escreveu Roberto Taddei, escritor e coordenador da pós-graduação em formação de escritores do Instituto Vera Cruz: “Eis aí a pequena maravilha desse livro: enfraquecer o privilégio dos grupos dominantes na batalha pela representação do que é o humano na literatura brasileira.”
Talvez eu tenha tomado muito sol na cabeça quando criança; então fico com Sergio Rodrigues, a espera do passar do tempo.
Ah!, em tempo, uma palavra sobre a belíssima capa de autoria de Alceu Chiesorin Nunes! Quanto ao pequeno adesivo de mau gosto no canto inferior direito - "o novo fenômeno literário brasileiro vendido para 7 países" - arranquei-o fora em meu exemplar.