segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Vidas paralisadas


O ano nem bem começou e as frustrações não param de se acumular. A doença grave de uma pessoa querida, o filho de pessoa ainda mais querida, produz em mim uma espécie de imobilidade mental. Difícil pensar em outra coisa, dizem-me os pais, e o mesmo digo eu.
            Em tais condições, precisamos de algo capaz de quebrar o círculo vicioso, capaz de conter o cachorro que corre atrás do rabo, capaz de cessar o contínuo pensamento do tipo psicótico, ou o não-pensamento. Algo que nos possibilite voltar a pensar.
            Pode ser uma fala de um amigo, pode ser uma palavra solta no ar, pode ser um insight, um estalo, uma iluminação, um poema.
           
“CADA INSTANTE DESSE TEMPO FOI MULTIPLICADO POR UMA VIDA PARALISADA.”

A frase encontra-se em o Livro, do escritor português José Luís Peixoto (Companhia das Letras, 2010). (Pode parecer confuso, mas é isso mesmo, o nome da obra é LIVRO.) O que importa é que uma frase em um livro, se nos pega de jeito, pode quebrar o tal círculo psicótico do não-pensar. Pois pegou-me de jeito a frase do Peixoto.
Uma pessoa inconsciente, em coma, seja ele de que natureza for (o coma), tem sua vida paralisada. Porém, ela está viva, e vive cada instante daquela experiência, mesmo tendo a vida paralisada. Para o observador, aquele que olha de fora, é difícil compreender esta sucessão contínua de instantes que se multiplicam por uma vida paralisada.
A primeira impressão é que se multiplica um determinado número por ZERO, e o resultado será necessariamente ZERO. Uma das possíveis interpretações deste zero é o NADA, a expressão mais evidente de uma negação. Eu vejo mas não estou acreditando. Outras vezes, nem VER é possível: é NADA mesmo.
Zero também pode traduzir sensação de fracasso, e com ela, a culpa. O pensamento religioso, aquele que não leva em consideração as circunstâncias, porque é fechado em si mesmo, reforça o sentimento de culpa e, consequentemente, o pensamento do tipo psicótico. O cachorro continua a correr atrás do próprio rabo.
O zero aniquila a autoestima, e o vazio é preenchido pelo ódio. Não há ódio pior que o ódio a si mesmo.
Nada contra a negação: cada um se defende como pode. Mas tanto a Ilusão, quanto sua irmã, a Mentira, ambas têm perna curta. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Os ombros suportam o mundo, num rasgo de duríssima clarividência, escreveu: “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.”
Prossegue o poeta: “As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios/provam apenas que a vida prossegue...”
E conclui o poema de forma magistral:

“Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”

            E o ano nem bem começou...