quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Meu mundo caiu...


Em uma das primeiras cenas do filme Amor, do diretor alemão Michael Haneke, ao chegar em casa, de um concerto do pianista Alexandre Tharaud, ex-discípulo da antiga professora de piano, o casal de velhos encontra a porta do apartamento arrombada. A mulher interroga-se, Quem teria feito isso?, o que poderiam desejar em nossa casa? E o marido responde, Não faço a menor ideia. Não há explicação plausível para o infausto acontecimento. A partir desta belíssima metáfora o diretor conta a sua história.
Crianças, moços, velhos, homens e mulheres, estamos todos sujeitos a infortúnios dessa natureza. Nossas vidas transcorrem dentro de relativa tranquilidade, permeadas pelos inevitáveis pequenos sobressaltos e frustrações do cotidiano, até que num determinado momento – perdoem o lugar comum, Um Belo Dia – a porta da frente é arrombada. A partir de então, a vida jamais será a mesma, para o bem ou para o mal.
Às vezes é uma doença grave que chega sem aviso prévio, a morte que subitamente se apresenta, inexorável. (Um amigo médico, ao ouvir do colega cardiologista que estava tendo um infarto, exclamou, Como diz a Maysa, meu mundo caiu!) O que se pode fazer então é viver o que nos resta da vida, o que assim mesmo pode significar uma grande experiência. Para os pais, a notícia de uma grave doença em um filho pode acarretar a mesma sensação devastadora.
Outras vezes é um grande amor que se vai, e o mundo parece que vai se acabar. A gente quer morrer. A sensação de desamparo é aquela do bebê que ao acordar não vê a mãe por perto e não tem dúvida de que o mundo vai mesmo acabar.
Para alguns, os materialmente muito abastados, possuidores de grandes fortunas, a bancarrota parece produzir este mesmo efeito de fim-de-mundo. O chefe de família não raro comete suicídio. A depressão grave pode ser a escolha para outro membro da família que não se conforma com a dramática mudança no estilo de vida.
A perda do emprego, depois de toda uma vida de dedicação ao trabalho, acompanhada da falta de perspectiva de se encontrar uma nova ocupação, pela idade mais avançada, por exemplo, pode arrasar a vida daqueles menos abastados.
Enfim, estamos falando de transformações súbitas, intensas, catastróficas mesmo, na vida das pessoas, e podemos interrogar sobre o que haveria de comum em tais situações. O relato das pessoas que vivenciam experiências como as aqui citadas nos dá a resposta: Eu já sabia que isso poderia acontecer a qualquer um, mas nunca me ocorreu que pudesse acontecer comigo!
Não cabe nesta pequena crônica discutir as razões que determinam tal comportamento do ser humano. Basta compreender e aceitar que é muito humano... Mas será que podemos aprender algo com a metáfora com que Michael Haneke abre seu magnífico filme? Com o fato de que a qualquer momento podemos ter nossa porta da frente arrombada?