Galeria de Família
Emílio 10 anos, mamãe Flora, Tia Nara
e a irmãzinha Olívia!
A foto do dia
Quem lê prosa sabe que está lendo prosa; aquele que lê poesia, sabe que está a ler poesia; no entanto, nem sempre sabe o que diferencia uma coisa da outra. Chega a sentir – o que é muito importante –, mas não sabe.
É disso que trata a belíssima introdução de Noemi Jaffe, em artigo publicado na Revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, n. 32, julho de 2019, sob o título Rosa, substantivo, substância. Ela pergunta:
– A escrita de Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, é prosa ou poesia?
Quantos de nós, embora tenhamos tido contato vezes sem conta com ambos os gêneros, já nos perguntamos, de fato, qual a diferença entre poesia e prosa? Nada menos que brilhante, a conceituação exposta por Jaffe:
“Uma das mais importantes diferenças entre prosa e poesia – junto à ideia de que a poesia retorna (por isso o verso) e a prosa continua – é o fato de que, na primeira, as frases se unem mais por subordinação e, na segunda, por coordenação. Na prosa, a importância de uma trama já explica, pelo próprio nome, a imbricação de histórias, hierarquias, caminhos e descaminhos, conflitos, tensões e distensões. E isso é fato tanto na prosa clássica como na contemporânea, mesmo que haja ausência do fator causa-consequência ou mesmo das formas tradicionais de abordagem do tempo, espaço, personagem e enredo. Ora, é o verbo que catalisa a ordenação da frase, para que possam ocorrer as conjunções subordinativas – embora, apesar, contanto, se, que, a não ser que, como etc. O verbo é o núcleo das orações, seu organizador temporal, pessoal e numeral. O verbo temporaliza o espaço, ou, dizendo com outras palavras, o verbo é o condutor das histórias.
Já na poesia, que talvez se possa definir por uma espacialização do tempo, o verbo não exerce o mesmo papel – quem ocupa esse lugar são os substantivos. Coisas surgindo como palavras, palavras surgindo como coisas, mais autônomas, menos dependentes de um núcleo centrífugo ou centrípeto. Cada artigo, pronome, preposição, num poema, tem valor também por si, independentemente da sua subordinação a uma hierarquia morfológica ou sintática. Dessa forma, pode-se exagerar e dizer que quase todas as classes de palavras, num poema, são espécies de substantivos, em função de sua autonomia semântica ou sintática.
Esse efeito, de maior subordinação na prosa e maior coordenação na poesia, faz com que, entre outras coisas, a prosa gere mais sensação temporal, e a poesia, por sua vez, mais sensação espacial. Na poesia, a linguagem quer coincidir com seu objeto, quer suprimir, ao máximo possível, a arbitrariedade do significante – e por isso ressalta íntegra, quase como coisa. Prosa e poesia: dinâmica e estática; dependência e autonomia lexical; tempo no espaço e espaço no tempo; trama na linguagem e linguagem em trama.”
Tudo isso, para Jaffe dar embasamento a uma única pergunta, sobre a escrita de Guimarães Rosa, e a partir daí desenvolver sua tese:
– “Diz-se que ele escreve prosa. Será?”
Com um ou outro laivo de erudição linguística exagerada, para alguns, penso que o texto de Jaffe é bastante claro e elucidativo; registro-o aqui com o pensamento em meu irmão Paulo, poeta de primeira grandeza, que, mesmo sabendo disso tudo, não precisou de conceitos e teorias linguísticas para compor o Esmo, um grande livro de poesia.