Em recente visita a Mendoza, na Argentina, conhecemos certa vinícola bem conceituada, produtora de bons vinhos no Vale do Uco. Fomos recebidos num belo salão com vista para a cordilheira, ao centro a mesa imponente de madeira maciça, o enólogo a ocupar a cabeceira, quatro visitantes de cada lado da mesa. À minha frente, um casal de descendentes de japoneses, os traços orientais bem marcados, conversando em português.
Após as devidas informações técnicas foi servido o primeiro vinho: duro, rascante, carrasco, travo amargo na boca, barato. Notei que o casal de japoneses cheirou o copo mas não provou do líquido. Seriam experts a ponto de recusarem o vinho apenas pelo desagradável buquê? Passei a observá-los com maior atenção.
O segundo vinho era um pouco melhor. Repetiu-se a cena: o casal provou do aroma e não levou o copo à boca. Nessa altura do relato o leitor já adivinhou que o mesmo ocorreu com os três vinhos servidos em seguida, sendo o último muito bom. Os japoneses não provaram qualquer um deles, o que provocou em mim incontrolável reação, em tom de voz exaltado:
– Não é possível! Assim eu vou ter que beber os vinhos de vocês! Por que não provaram os vinhos?
– Nós não bebemos.
– Não bebem?
– Não bebemos.
O silêncio tomou conta da sala. Nada mais pude dizer ou perguntar. Encerrou-se ali a degustação.
Da conversa sempre animada com meu amigo M. ouvi surpreendente informação, que na oficina de escrita frequentada por ele a esmagadora maioria dos alunos nada escreve. O dever de casa consiste apenas na escrita de texto com tema previamente selecionado pelo professor, com prazo de entrega de longos quinze dias. Apenas meu amigo escreve (e bem!), mais ninguém.
Houve tempo – isso já foi relatado neste blog inúmeras vezes – em que coordenei oficina de escrita para psicanalistas em formação. Um dos participantes, porque nada escrevia transcorridas algumas semanas, ao ser questionado com delicadeza pela razão daquela atitude, respondeu de forma intempestiva:
– Se eu escrever vou me revelar!
O silêncio tomou conta da sala. Depois do susto retomamos a discussão sobre literatura.
O analisando entra no consultório, deita-se no divã, permanece em prolongado silêncio.
– Estou sem assunto, doutor. O senhor me ajuda?
– Como?
– Puxa um assunto.
– Assunto meu?
– Pode ser.
Agora é o psicanalista quem faz silêncio.