quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Seu Afonso, Sérgio Rodrigues e o anglicismo

 


Houaiss

 

De pouca gente me lembro com tanta afeição e carinho quanto de meu antigo professar de Português, Seu Afonso, como era chamado. Estávamos no final dos anos 50 e a escola era o renomado Instituto de Educação “Conselheiro Rodrigues Alves”, em Guaratinguetá, SP. 

            Seu Afonso era de um rigor insuperável. Somava, em sua caderneta, décimos e centésimos de pontos atribuídos ao desempenho dos alunos em atividades como leitura mensal de livro, o decorar semanal de um poema, as temidas redações, o comparecimento à sessão do Grêmio Literário, até chegar à nota final. (No início do curso ginasial ele me prestou o favor de me deixar em segunda época; no exame final, fui aprovado.)

            Aprendi com ele que não se devia fazer uso de anglicismos, ou de estrangeirismos de qualquer espécie. Ai de quem...

            Hoje voltei ao Houaiss, só para confirmar o uso de anglicismo: “acepção de determinada palavra de nossa língua que é exótica, em relação às acepções vernáculas registradas durante a sua evolução no português, por ter sido tomada recentemente de empréstimo ao inglês (p.ex.: dramático, no sentido de grande, assombroso, incrível, notável  [alterações dramáticas]; assumir, no sentido deter como certo, imaginar, admitir, supor, calcular, crer  [assumi que já havia conseguido o emprego]; realizar, no sentido de dar-se conta de, perceber [só então realizei o engano em que incorrera] etc.)”.  

            Até hoje gosto desse uso ‘purista’ da língua portuguesa, que Seu Afonso me ensinou a amar. Gostava. Hoje aprendi com Sérgio Rodrigues, mestre da Língua Brasileira, que as coisas não se passam bem assim. Em sua crônica Testei positivo para anglicismo, para a Folha de S. Paulo (12 jan 2022), ele afirma: 

 

“O fenômeno teve início alguns anos antes, mas a pandemia de Covid deu o empurrão que faltava para espalhá-lo pelo mundo, língua atrás de língua: a construção "testar positivo (ou negativo)", com essa sintaxe importada do inglês, é mais contagiosa do que a ômicron. Eu já sabia disso em tese, mas só depois de testar positivo para Covid, domingo passado, compreendi melhor a questão. Dar a notícia a um monte de gente – por escrito ou por telefone, meu isolamento é total – me fez ver que, entre outros parangolés como o imperialismo linguístico, está em jogo a economia expressiva. Ah, o abismo entre "testei positivo" (construção decalcada do inglês) e "fiz um teste e o resultado foi positivo" (construção respeitosa da sintaxe portuguesa) não parece tão grande?”

            

            E Sérgio (me considero íntimo dele, de tanto que o leio, daí este tratamento tipo assim “meu chapa”) arremata:

 

“... a funcionalidade de uma fórmula sucinta como "testar positivo" vai além da oralidade – a ponto de, como parece ser o caso, acabar falando mais alto do que o impulso de conservação das estruturas vernaculares. ...estamos em terreno difícil –mais do que polêmico, o tema é escorregadio, movediço. No fundo há uma única diferença entre o modismo estrangeirista bocó e o estrangeirismo que, maneiro e fecundo, logo deixa de ser percebido como tal: este pegou, aquele não.”

 

            Seu Afonso que me perdoe, mas quando a palavra “pega”, pega mesmo!    

 

 

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergio-rodrigues/

 

Um comentário:

  1. A mescla das línguas é inevitável e saudável. Pena que o poder econômico pese tanto. Será que existem muitos "lusitanismos" na língua inglesa?

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