terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Machado para adolescentes


Antonio Candido

Felipe Neto provocou rebuliço nas redes sociais neste sábado (23 jan 2021), ao utilizar a corrente “Crie uma treta literária e saia”, no Twitter, para afirmar que “indicar livros clássicos como os de Álvares de Azevedo e Machado de Assis nas escolas contribuiu para que muitos adolescentes tenham aversão à leitura.”
          Ele acrescenta: “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco.”

A postagem teve mais de 32 mil curtidas e 11 mil comentários, com participação de “especialistas em linguística concordando com o youtuber e muitos leitores revoltados com os argumentos usados por ele na discussão.” 

De antemão, me declaro incompetente para discutir o assunto. Só posso falar de minha experiência pessoal. Criamos, eu e meus irmãos, o hábito da leitura com Monteiro Lobato – leitura fácil, interessantíssima, a prender nossa atenção como se aquilo fosse realidade e não ficção, marca que perdurou pela vida inteira. No ginásio, tivemos o melhor professor de português possível, de nome Afonso, rígido, a cobrar a memorização de um poema por semana e a leitura de um livro (aprovado por ele) por mês. Líamos então Machado de Assis e Álvares de Azevedo.

Era chato? Às vezes era chato. Mas matemática, história, latim, música, e tantas outras disciplinas também poderiam ser enfadonhas em determinados momentos. Não deixamos de estudá-las por isso.

Entrar em contato com Machado já era importante, mesmo que não pudéssemos alcançar um cisco de sua genialidade.

Porém, minha experiência pessoal só vale para mim, não serve de argumento contrário ou a favor do tema em discussão. Me amparo em  autoridade no assunto: no ensaio “O Direito à Literatura”, Antonio Candido já explicava a importância do ensino curricular e democrático da literatura nas escolas:

 

“Por isso é que em nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. [...] Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

 

        Nada a acrescentar. Mas um bom professor pode ajudar muito!

 

https://jovempan.com.br/entretenimento/famosos/felipe-neto-critica-indicacao-de-livros-classicos-para-adolescentes-e-gera-polemica.html

 

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