Poucas coisas são tão vivas quanto a língua que falamos. Ela muda com velocidade de um raio, e basta um raio para que surjam palavras novas, para que palavras velhas ganhem novos significados, sem contar a inevitável intromissão das línguas estrangeiras, sempre tentando furar nosso teto linguístico.
Os mais jovens criam com naturalidade e sem-cerimônia novos usos para as palavras; os mais velhos, os rabugentos, possuídos pela ‘missão de preservar a pureza da língua’, reagem vociferando em vernáculo puro. De nada adianta reagir.
Foi o que aconteceu recentemente com a palavra ‘narrativa’. (Tenho a impressão de que a CPI da Covid, realizada pelo Senado Federal, acabou por selar a mudança, depois da narrativa ser empregada milhões de vezes em cada sessão.) Bom rabugento que sou, tomei por ela pavorosa ojeriza.
O grande Ruy Castro escreveu sobre o assunto hoje na Folha de S.Paulo, com a precisão de sempre.
“Narrativa, até há pouco, era uma narração, uma história, um conto. "Os Lusíadas", de Camões, era uma narrativa poética; "Dom Casmurro", de Machado de Assis, uma narrativa de ficção; "Os Sertões", de Euclides da Cunha, uma narrativa histórica. Mas a palavra caiu para a 2ª divisão. Narrativa é agora uma história fabricada, que se tenta impor como verdade, e assim a tratam os políticos. Quando um deles é acusado de roubar ou mentir, diz que isso é uma "narrativa". Claro que essa resposta também é uma "narrativa".
Narrativa virou sinônimo de mentira! Adotaram o novo significado políticos, comentaristas de política e, por que não, cronistas e desocupados... E salve salve a língua brasileira!
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/12/chovendo-pacas-nao-o-bicho.shtml
Lá se foi mais uma palavra.
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