quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Direito de morrer em paz


Foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo, na última quinta-feira (12), importante projeto de lei que trata da liberdade de escolha do paciente, de receber ou não tratamento no final da vida; em resumo, do direito de morrer em paz.
O PL 231/2018, de autoria do deputado Carlos Neder (PT), se aplica a pacientes dos serviços públicos e privados e depende da sanção do governador para se tornar lei estadual. A expectativa é de que, depois disso, o tema ganhe força para se tornar uma lei federal. É o que informa Cláudia Collucci para a Folha de S. Paulo (18.dez.2018).
“Inspirado em legislações europeias, como da Espanha e da Itália, o projeto avança nas regras de proteção à autonomia dos direitos do paciente e das obrigações médicas, como a informação clínica, o consentimento informado e o direito de o doente dispor previamente sobre suas escolhas em caso de enfermidade terminal e perda da consciência.” 
O projeto paulista não deixa de ser um avanço. “O consentimento informado é uma peça fundamental no exercício da medicina, seja como um direto do paciente em aceitar, negar ou interromper tratamentos, seja como dever moral e legal do médico em respeitar essa decisão, amparado legalmente.” 
Importante ressaltar alguns pontos do projeto aprovado: 

1. A pessoa com uma doença terminal tem o direito de receber, prontamente e por escrito, toda a informação necessária sobre seu diagnóstico, prognóstico e tratamento, adaptada às suas condições cognitivas e sensoriais.
2. Em casos em que essa informação represente grave risco à integridade física ou psíquica do paciente, isso deve ser anotado em seu prontuário clínico de saúde e comunicado às pessoas com vínculo de parentesco, de amizade ou de afeto com o doente.
3. A pessoa tem o direito à tomada de decisão informada, conhecendo toda a informação disponível sobre a sua saúde, durante enfermidade terminal para, em acordo à sua vontade, concordar, recusar ou interromper intervenções e tratamentos propostos pelos profissionais de saúde que visem tão somente prolongar sua vida em razão da existência de determinadas tecnologias ou medicamentos paliativos, sem possibilidade de recuperação de sua saúde.
4. O consentimento informado ou a negativa esclarecida do paciente, livremente revogável a qualquer tempo, deve ser feito de modo documentado, assinado por si ou por seu representante, devendo essa manifestação do paciente ser anotada em seu prontuário para compor a sua história clínica.
5. Quando a pessoa em tratamento não for capaz de tomar decisões ou o seu estado físico ou psíquico não lhe permita conhecer toda a situação e compreender as informações para dar o seu consentimento de modo esclarecido, deverá ser observada a seguinte ordem de representação: a pessoa designada como representante legal; o cônjuge ou o companheiro ou a companheira; os parentes de grau mais próximo, desde que de maior idade; a pessoa que mantém ligação de amizade e afeto com o paciente, de modo reconhecido; a pessoa a cargo de sua assistência ou cuidado com a saúde; na ausência de todos os mencionados acima, o médico responsável pelo cuidado do paciente.

Informa ainda Collucci: “A exemplo do que ocorre na lei italiana, a proposta paulista também avança em fazer valer o direito de crianças e adolescentes em processo de enfermidade terminal. Por exemplo, de receber informações adaptada à sua idade, maturidade, desenvolvimento intelectual e psicológico, além de tratamento médico e cuidados paliativos que ofereçam atendimento de maneira individualizada, e sempre que possível, pela mesma equipe de saúde. Têm o direito ainda de estar acompanhadas o máximo de tempo possível durante sua internação pelos pais, mães ou pessoas que as substituam, salvo quando isso puder prejudicar o seu tratamento. Também devem ser hospitalizadas juntamente com outros menores, evitando o compartilhamento com quartos de adultos.”
Não será fácil a implantação deste projeto, caso seja sancionado, diante da imensa dificuldade da população em lidar com os temas paciente terminal e processo de morrer. As próprias equipes de saúde não estão preparadas para enfrentar certos dilemas, bem como os familiares do paciente.
Em sua coluna de hoje para a Folha (19 dez 2018), O paciente como agente –
Proposta que assegura a doente terminal o direito de tomar decisões está aquém do necessário, Hélio Schwartsman, ao comentar o referido projeto, acrescenta outra dificuldade, de caráter ainda mais complexo: 
“Paradoxalmente, o que mais conspira contra a autonomia são passagens do Código de Ética Médica que, num arroubo de paternalismo onipotente, dão ao médico poderes quase absolutos sempre que ele julgar que a vida do paciente está em risco. Na minha interpretação, normas derivadas diretamente da Constituição prevalecem sobre códigos profissionais, ainda que tenham força de lei federal.”
Conclui Schwartsmam: “É justamente esse conflito que o legislador precisa esclarecer em definitivo, além de regulamentar com mais detalhe os instrumentos através dos quais o paciente pode manifestar sua vontade. A medicina brasileira não pode continuar na era pré-kantiana em que ainda se encontra.”
Caminhamos, porém em passos lentíssimos, nesse mister.





Um comentário:

  1. Está tudo muito certo. O problema é detectar a capacidade de decisão (exercício da vontade, de escolhas isentas), por parte de um paciente com depressão grave ou psicose. Até que ponto as escolhas humanas são cabíveis? Haverá pacientes a escolher a morte por "cansaço da vida"!

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