quinta-feira, 1 de abril de 2021

Giannetti experimenta o anel



 

Ainda no prefácio, o autor adverte: “O corpo vê-se; o coração advinha-se. Silêncios, segredos, manobras, despistes. Que sabem os outros do que nos vai pela alma? O que sabemos, afinal, nós mesmos? Respeito às leis e costumes morais à parte, o que significa ser – não só parecer – ético? Como a certeza da impunidade mexeria com o nosso modo de ser e agir?” O primeiro parágrafo já instiga. Falo de O anel de Giges, de Eduardo Giannetti, Companhia das Letras, 2020.

            Antes de qualquer outro comentário, o livro é tremendamente acessível, a despeito da enorme erudição do autor; a leitura é agradabilíssima, fluente; a escrita, o estilo, são da melhor qualidade literária. Dá gosto ler.

            Bem, o assunto é surpreendente! Giannetti explica ainda no prefácio: “O experimento mental da fábula de Giges permite abordar o comportamento humano e a ética pelo prisma do anel. O que esperar de uma pessoa comum detentora do anel? Como provavelmente reagiria e o que faria com tal poder? Humilde pastor, o Giges da fábula de Gláucon transfigurou-se: foi para a capital do reino, seduziu a rainha, assassinou o rei com a cumplicidade dela, usurpou o trono da Lídia, tentou subornar os deuses e tornou-se fabulosamente rico. A posse do anel atiçou a fera da ambição desmedida e fez visível o sonho de glória e poder adormecido em sua alma. Mas quão representativo ou generalizável é o modelo do Giges-sem-lei?”

            Sugiro que um provável leitor do Anel, antes de iniciar a leitura propriamente dita, se detenha por alguns minutos a estudar o índice do livro, disposto em oito partes, que detalham com minúcia o escopo da obra. Giannetti inicia por Heródoto e Platão e termina por perguntar: “E agora, Giges? Olhemo-nos nos olhos. Sem intermediários. E se o anel que Rousseau preferiu jogar fora viesse parar no dedo de um de nós?”

            O último capítulo, Devaneios do viajante solitário: coração a nu, é mesmo surpreendente! O autor dá um cavalo-de-pau, subverte completamente o estilo, a escrita torna-se fragmentada, são pensamentos esparsos, ideias inacabadas, ousado exercício intelectual sobre os usos e abusos do anel pelo próprio autor.

             Belíssimo livro, em minha modesta opinião.

Um comentário: