sábado, 31 de outubro de 2020
4 estudos com grafite e carvão
Discordância leal
Otávio Santana do Rêgo Barros publicou artigo no Correio Braziliense (27 out 2929) a merecer nossos aplausos pela coragem, erudição, pela forma exemplar, além da elegância proporcionada pela fina ironia: ele não cita nomes.
Já o título é instigante: Memento mori. Reproduzo aqui o primeiro parágrafo do texto:
“Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!”
Em seguida discorre sobre falsas promessas das campanhas eleitorais; das dificuldades políticas por mesquinhos interesses; daqueles que são desrespeitados e abandonados ao longo do caminho; da confortável mudez dos que sobrevivem, movidos por interesses pessoais.
Até que surge a interessante expressão discordância leal, definida pelo autor como “um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.”
O restante do texto por ser lido no endereço abaixo:
Me interessa a expressão discordância leal, que penso não se aplicar apenas às questões militares; ao contrário, diz respeito à vida cotidiana. Amigo de verdade é aquele que bem tolera a discordância leal; se a amizade termina diante a uma desagradável discordância – o que não raro acontece – então não havia amizade. Nem sempre é fácil praticar a discordância leal nas relações conjugais: é mais fácil calar, e se perde a oportunidade de conversa franca, criativa, a propiciar crescimento do casal. A discordância leal encontra obstáculos até mesmo nas relações entre pais e filhos, onde seguramente predomina o amor; porém, a discrepância de gerações muita vez impede que uma observação verdadeira leve a bom resultado.
Para que seja eficaz, a discordância leal exige certo rebaixamento do narcisismo presente em todos nós; será preciso considerar o outro, reconhecê-lo como pessoa, aprender a ouvi-lo, para que então a discordância leal possa ser praticada com resultados.
Os fatores de negação vêm de todos os lados. Rêgo Barros aponta: “Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói!”, ao que acrescento: com o poder o ego se insufla, Narciso domina, o outro desaparece. (Mesmo que seja um poder de merda.) Poder, soberba, vaidade, desmedido orgulho de si mesmo, rechaçam de pronto a discordância leal. Pior: tudo isso faz com que a discordância se volte contra aquele que discorda, a gerar punição, cancelamento mesmo, para usar expressão da moda.
Vale a pena ler o artigo do General.
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
como se fosse
caminho pelo jardim
e vejo as coisas
como se as visse
pela última vez
o mogno gigante
o abacateiro a mangueira o limoeiro
as flores, ah as flores
sabiás bem-te-vís pardais joões-de-barro
brincam à roda de mim
tudo me parece belo
tão familiar que faz parte de mim
velho e novo ao mesmo tempo
acaricio meus cães
como se fosse a derradeira vez
não sinto pena
não sinto saudade
o que sinto é amor
pelo meu jardim
Vacinação em descrédito
Em outubro, apenas 5 milhões de crianças
de até 5 anos de idade receberam o imunizante.
A meta para o mês era aplicar pouco mais
de 11 milhões de doses. Getty Images
Campanha de vacinação contra a poliomielite termina e não atingiu metade da meta para o período (UOL, 30 out 2020). O Brasil não tem a circulação da polio desde 1994, mas é necessário que as taxas de vacinação alcancem as metas do Governo Federal. Será que as pessoas se esqueceram das medonhas sequelas deixadas por essa doença?
Triste e preocupante o descaso com que a população vem negligenciando os programas de vacinação estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Suponho que tenham influência sobre tal atitude a própria pandemia, a falta de confiança no comando do Ministério da Saúde, a ausência de uma voz que inspire liderança em todo o governo; as trapalhadas inconsequentes, burras, irresponsáveis, a politização da vacina, quer seja contra o coronavírus ou qualquer outra doença, diariamente cometidas pelo presidente da república acabam também por desmoralizar a vacinação, especialmente para aqueles que não aprenderam a pensar.
As instituições médicas, universidades, o Congresso Nacional, precisam se manifestar contra isso, reafirmando a necessidade da imunização.
As pessoas continuam acreditando em astrologia, mas descreem da vacina!
Por ora os negacionistas vencem, as crianças adoecem, os adultos morrem. O Brasil caminha para trás.
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Nietzsche hoje
Cansadas, exaustas mesmo desses tempos de peste, acossadas pelas dificuldades materiais de toda ordem, pelo medo da morte, diante de uma praga que persiste, prevalece, avança inexorável, reaparece quando supúnhamos exterminada, enfim, diante do desconhecido, as pessoas perguntam Qual o sentido disso tudo?
A resposta não é fácil, nunca é fácil. Vem em minha ajuda o livrinho – porque é pequeno, 150 páginas – de Viviane Mosé intitulado Nietzsche Hoje – sobre os desafios da vida contemporânea (Ed. Vozes, 2018). Uma preciosidade para quem se interessa pelo filósofo alemão, comentado com palavras amigáveis de Viviane.
Qual o sentido disso tudo? Viviane Mosé escreve à página 55:
“No fundo, todos sabemos que não é o sentido, a verdade, mas a ausência de sentido e verdade o fundamento de tudo o que vive. Somos parte desse jogo complexo que se chama vida, não um ser de fora capaz de julgar: por mais que o pensamento, a razão, a ciência, possam construir cidades, ferramentas, produtos, ainda somos animais presos à determinação natural, atados a infinitas galáxias em um processo muito maior do que nós e que nos inclui.
O projeto filosófico de Nietzsche é, portanto, uma crítica da civilização em nome da afirmação da vida. A vida em si mesma é o valor que deve ser afirmado, o desafio do instante; todo o resto é narrativa, interpretação, e deve ser tido como tal. Podemos aprender sobre a vida se nos dedicarmos a lê-la. Mas quanto de verdade ousa um espírito? Quanto de verdade suporta?”
A densidade e clareza desse pequeno trecho dão mostra de quanto a autora nos facilita a compreensão do pensamento nietzscheano, incluindo o tão discutido sentido do niilismo. Nietzsche defende ardorosamente a “afirmação da vida”, “o desafio do instante” a ser vivido.
Vale a pena conferir Nietzsche Hoje, de Viviane Mosé.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
Paula ganha mais um prêmio
Paula acaba de ganhar mais um concurso de fotografia, patrocinado pelo IPA – International Photography Awards, categoria amador, foto sub.
A fotografia não é recente, foi tirada na Austrália, na Grande Barreira de Corais, onde a fotógrafa residiu por uma ano. Mas continua encantando as pessoas!
Mantenho uma reprodução dela em frente ao meu comutador, onde escrevo diariamente, para meu orgulho, alegria e inspiração.
Menino conduzindo cavalo
Meus quadros favoritos
Na única visita que fiz a Whashington DC, há muitos anos, este quadro estava em exposição na National Gallery of Art, localizada no fantástico National Mall.
Me lembro bem: parei diante da pintura de grande dimensão, extasiado, impactado pela força do quadro, e lá permaneci por longo tempo, verdadeiramente emocionado. Experiência inesquecível.
Prêmio Camões 2020
do Prêmio Camões 2020 Foto: Universidade de Coimbra
Vítor Aguiar e Silva, professor, teórico e escritor português foi o ganhador do Prêmio Camões 2020, anúncio feito pela ministra da Cultura de Portugal, Graça Fonseca.
Vítor Aguiar e Silva é pesquisador da literatura portuguesa dos séculos 16 e 17, bem como da obra de Luís de Camões e das metodologias literárias.
“A atribuição do Prêmio Camões a Vítor Aguiar e Silva reconhece a importância transversal da sua obra ensaística, e o seu papel ativo relativamente às questões da política da língua portuguesa e ao cânone das literaturas de língua portuguesa”, explica a ata do Prêmio.”
O Prêmio Camões, criado em 1988, elege a cada ano um escritor de um país onde a língua portuguesa é oficialmente falada.
Adoro listas!
Lista de brasileiros ganhadores do Camões:
João Cabral de Melo Neto (1990)
Rachel de Queiroz (1993)
Jorge Amado (1994)
Antonio Candido (1998)
Autran Dourado (2000)
Rubem Fonseca (2003)
Lygia Fagundes Telles (2005)
João Ubaldo Ribeiro (2008)
Ferreira Gullar (2010)
Dalton Trevisan (2012)
Alberto da Costa e Silva (2014)
Raduan Nassar (2016)
Chico Buarque (2019)
De Portugal foram premiados:
Miguel Torga (1989)
Vergílio Ferreira (1992)
José Saramago (1995)
Eduardo Lourenço (1996)
Sophia de Mello Breyner Andresen (1999)
Eugénio de Andrade (2001)
Maria Velho da Costa (2002)
Agustina Bessa-Luís (2004)
António Lobo Antunes (2007)
Manuel António Pina (2011)
Hélia Correia (2015)
Manuel Alegre (2017)
Os escritores africanos:
José Craveirinha (Moçambique, 1991)
Pepetela (Angola, 1997)
José Luandino Vieira (Angola, 2006, recusou)
Arménio Vieira (Cabo Verde, 2009)
Mia Couto (Moçambique, 2013)
Germano Almeida (Cabo Verde, 2018)
terça-feira, 27 de outubro de 2020
A enologia é uma fraude?
A coluna de Marcos Nogueira para Cozinha Bruta, da Folha de S. Paulo (22 out 2020), intitulada “Restaurante vende garrafa de R$ 11 mil, serve vinho da casa e cliente nem percebe”, há de interessar aos bebedores de vinho, além de ser deliciosa. Relata ele:
“Deu na revista inglesa “Decanter”, uma das publicações mais sérias sobre vinhos no mundo: em Nova York, os garçons de um restaurante serviram por engano o vinho da casa, de R$ 100, a um grupo que havia pedido uma garrafa de R$ 11,2 mil. Foi no Balthazar, bistrô do SoHo que atrai tanto turistas durangos quanto gente com dinheiro.
Duas mesas chegaram mais ou menos ao mesmo tempo. Numa delas, um casal jovem que pediu o vinho mais barato de todos; na outra, foi comandada uma garrafa de Château Mouton-Rotschild 1989, o item mais caro do restaurante. Os clientes eram gente de Wall Street. Os garçons puseram os dois vinhos em decanters (garrafas sem identificação) idênticos. Serviram o vinho barato para os caras do mercado financeiro, e o outro para o casalzinho que só queria comer e dar risada. ...Nenhuma das mesas percebeu a troca. Um dos sujeitos que pediram o vinho caro teria chegado a elogiar a “pureza” do vinho de cem contos. Foi a própria equipe do Balthazar quem detectou a mancada – e deixou os vinhos de graça para todo mundo.”
O assunto é importante, tanto que mereceu a crônica de hoje de Hélio Schwartsman, também para a Folha (26.out.2020), com o bombástico título – ele é especialista em manchetes! – A enologia é uma fraude? Depois de comentar sumariamente sobre o que escreveu Marcos Nogueira, Schwartsman expõe sua ideia:
“O problema, como sempre, são os nossos cérebros. Quando eles não têm informações suficientes para emitir um juízo, catam qualquer pista que esteja à mão, seja ela relevante ou não, e proferem seu parecer como uma conclusão irrefutável.
A dificuldade, no caso da enologia, é que o paladar e o olfato humanos não são bons o bastante para julgar vinhos, pelo menos não no nível que os "sommeliers", com seu vocabulário rebuscado e esnobe, fazem crer que é possível. Aí o cérebro, para não ficar mal, apela para rótulos, preços, críticas etc.”
Então Schwartsman recorre à Ciência:
“Estudos da psicologia do gosto, iniciados nos anos 60 por Rose Marie Pangborn, só não acabaram de vez com a reputação da indústria enológica porque não são muito divulgados. Pangborn mostrou que bastava adicionar um pouco de corante a vinhos brancos para deixar os especialistas completamente perdidos.
Na sequência, outros trabalhos revelaram que, em copos escuros, estudantes de enologia não conseguem mais distinguir vinhos brancos de tintos e que basta trocar os rótulos das garrafas para que especialistas rasguem elogios a vinhos "objetivamente" medíocres.
No caso de Nova York, a pista mais conspícua era o preço.”
Longe, muito longe de me considerar um enólogo, adquiri certo hábito que talvez possa interessar. A primeira prova, depois que o vinho é colocado em um decanter, pode ser enganosa. Degusto, faço minha avaliação, mantenho o silêncio, e prossigo bebendo. Lá pelo meio da garrafa, posso confirmar a primeira impressão ou descartá-la completamente. (Às vezes nem chego ao final da garrafa.)
Não sei como explicar tal experiência. Talvez o cérebro precise de algum tempo para chegar à conclusão definitiva e sempre pessoal sobre a qualidade do vinho.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/10/a-enologia-e-uma-fraude.shtml
Canetas, não armas
A foto do dia
por homens armados em escola de Kumba, Camarões.
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
Natureza morta
Apr'es Helena Lopes
Parte da obra de Helena Lopes encontra-se no ateliê dela, incluindo a primeira imagem aqui exposta. A segunda não pretende imitá-la – o que seria impossível – mas dá bem uma amostra de como a arte nos influencia. Passeando pela meu jardim, encontro essa folha morta, e pretendo dar-lhe vida, inspirado em Helena.
O ateliê:
http://loucoporcachorros.blogspot.com/2020/01/atelie-de-helena-lopes.html
Em tempo:
Helena respondeu à minha provocação:
"Essa é ideia da Arte, provocar o olhar do outro, fazer com que o expectador enxergue outras coisas, em vez de passar batido sobre uma folha velha caída no chão. Ficou linda a composição, o verde do fundo, a folha com outro tipo de beleza. Gostaria que todas as pessoas interagissem como você está fazendo. Um abraço."
Obrigado, Helena.
domingo, 25 de outubro de 2020
Releitura de Monet
Show me the Monet, de Banksy
“LONDRES — Uma pintura de Banksy que parodia uma obra de Claude Monet foi vendida em Londres, na última quarta-feira (21/10), por cerca de U$ 9,8 milhões, o equivalente a R$ 54,5 milhões, tornando-se a segunda tela mais cara do misterioso artista britânico, conforme anunciado pela casa de leilões Sotheby's.
Feita com tinta a óleo, a obra é intitulada "Show me the Monet" ("Mostre-me o Monet", em tradução livre), e é uma imitação ímpar de "O lago das ninfeias", uma das pinturas mais famosas do artista francês Claude Monet.”
O ditado que se aplica:
– Quem tem fama, deita na cama.
Mas sou fã de Banksy!
https://oglobo.globo.com/cultura/banksy-faz-releitura-de-monet-leiloada-em-quase-10-milhoes-24710602
Microcontos da Solidão
1.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Medo da solidão.
2.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Não é preciso descartar o velho.
3.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Para que elas possam conversar à noite.
4.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Sozinha, ela vai se implicar com quem?
5.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Na vida, o que conta é a relação.
6.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Para evitar o pânico diante da imobilidade.
7.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Pura mania.
8.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Coisa de acumulador.
9.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Para que eu me lembre de trocar a nova quando ela ficar velha.
10.
Mulher:
– Por que não joga fora a usada, ao pegar uma nova escova de dente?
Homem:
– Não sei.
sábado, 24 de outubro de 2020
Perseu e Medusa, Medusa e Perseu
Medusa com a cabeça de Perseu,
obra do artista argentino Luciano Garbati
Jeenah Moon/The New York Times
“Estátua de Medusa pelada e sexy é abraçada e atacada pelo MeToo em Nova York”, informa a reportagem de Julia Jacobs para The New York Times (14.out.2020).
Luciano Garbati fez a escultura de Medusa segurando a cabeça de Perseu sem preocupar-se com ideias feministas; realizou apenas genial inversão do antigo mito. A obra é de 2008, bem antes do MeToo, e as discussões sobre gênero que despertou não interessam para esta crônica.
Garbati inspirou-se em escultura em bronze do século 16, “Perseu com a Cabeça de Medusa”, de Benvenuto Cellini.
Perseu com a cabeça de Medusa
Benvenuto Cellini
esculpida entre 1545 e 1554
Num golpe de mestre, ele inverteu o papel dos agentes, contando “a história da perspectiva de Medusa – escultura com mais de 2 m de altura – e revelando a mulher por trás do monstro”, exposta na calçada oposta ao tribunal criminal da rua Centre, ao sul de Manhattan.
Acrescenta Julia Jacobs: “Em sua inscrição no programa "Art in the Parks", que revisa propostas para obras de arte em instalações públicas como a da estátua, Garbati apontou para o fato de que Medusa foi estuprada por Poseidon no templo de Atena, de acordo com o mito. Como punição, Atena volta seu rancor contra Medusa e transforma seus cabelos em serpentes. A inscrição afirmava que a história “comunicou às mulheres por milênios que, caso fossem estupradas, a culpa seria delas”.
“Desestabilizar a narrativa usualmente feita sob uma lente patriarcal é o verdadeiro poder da obra”, afirmou Garbati. “Isso faz com que as pessoas parem para pensar.”
E parar para pensar é uma das inúmeras funções da Arte.
O especialista
Cenas inglesas
Denmark Hill Station
Perto do hospital onde eu trabalhava, o King`s College Hospital, ou simplesmente King`s, localizado em Brixton, sul de Londres, há uma bonita estação de trem – não havia metrô naquela região – chamada Denmark Hill, e na estação, um lindo pub com o mesmo nome. Com a frequência que as condições financeiras permitiam, almoçávamos lá, o pequeno grupo de pesquisadores da Liver Unit, renomado centro de estudos e tratamento das doenças do fígado, todos estrangeiros.
No frio Serviço chefiado pelo gelado Dr. R.W., homem severo com olhos cor de água, trabalhavam cinquenta pesquisadores, estrangeiros em sua grande maioria, e tratados como tal, subalternos serviçais de segunda classe a fazer aquilo que os autóctones desprezavam. Depois de dois anos de trabalho na Unidade, percebi que poderia agrupar alguns desses desvalidos, e chegamos mesmo a incomodar os ingleses com a elevação da autoestima do grupo. Os almoços no Denmark Hill faziam parte dessa estratégia.
Dentre os membros do “seleto” grupo havia um italiano que merece destaque e ainda hoje me lembro dele com carinho, por duas particularidades especiais, pelo menos para mim: era louco por futebol e conhecia tudo sobre a vida dos papas. Luiggi era torcedor fanático do Catanzaro, time da pequena cidade do mesmo nome, na região da Calábria, ao sul da Itália, e conhecia a fundo o futebol do Brasil, capaz de citar de cabeça a escalação da seleção brasileira campeã da Copa de 58, na Suécia. Assunto melhor não poderia haver, entre dois melancólicos saudosos expatriados.
O que me fascinava mesmo em Luiggi era seu conhecimento enciclopédico sobre a vida dos papas, de todos os papas! Ele discorria com o entusiasmo próprio dos italianos sobre as qualidades dos pontífices, para ele homens extraordinários, de grande estudo inteligentíssimos cultíssimos, políticos de primeira grandeza, porque só assim poderiam chegar à posição de Papa, numa instituição em que o vencedor precisava lutar incontáveis ferrenhas batalhas em uma guerra feroz, até que a chaminé do Vaticano soltasse a fumacinha branca.
Parece que Luiggi conhecia os intestinos do Vaticano! Sabia de escabrosos escândalos da cúria romana. Mas nada era capaz de diminuir a admiração dele pelos papas. Daí que desenvolveu interessantíssima teoria, sobre a qual discorria longamente, fazia uma pausa para causar suspense – mesmo tendo contado a história várias vezes – e em seguida vaticinava:
– Todo papa é ateu!
O espanto era inevitável para quem escutasse a teoria pela primeira vez. Era a oportunidade que Luiggi precisava para discorrer com o arrebatamento de sempre:
– Homens de tanto estudo, inteligentes, cultos, grandes políticos, teólogos por excelência, conhecedores das raízes da religião, da história da Igreja, dos subterrâneos da fé, esses homens notáveis só poderiam ser ateus! Eles conheciam a verdade.
Ríamos todos, saboreando um delicioso scotch egg, regado a uma caneca de Guiness, em Denmark Hill.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
80 anos de Pelé
Em um certo dia de minha adolescência estive frente a frente com Pelé, toquei-lhe o ombro esquerdo e disse, Oi, Pelé.
Aconteceu em Guaratinguetá, numa comemoração da qual não tenho a menor lembrança. Uma partida de futebol beneficente? Algum evento municipal? Jogo de campeonato paulista não era.
De repente, lá estava eu no gramado, ao lado de muita gente desconhecida. (Não me lembro de meu pai estar comigo ou mesmo estar em companhia de um amigo.)
Porém, me lembro como se fosse hoje, passados mais de 60 anos, eu frente a frente com Pelé, a tocar-lhe o ombro esquerdo, como se fosse um sonho. Cumprimentei-o, sorri, extasiado diante de um deus.
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Mensagem poderosa
Pela primeira vez em sua história, a revista Time troca sua marca na capa pela palavra VOTE. Uma sacada de gênio!
Girl with goat
Meus quadros favoritos
Pintor, desenhista, gravador e ilustrador franco-canadense da província de Quebec. Ele é conhecido por suas pinturas de paisagens dos Laurentianos e da região de Charlevoix, no leste de Quebec.
https://en.wikipedia.org/wiki/Clarence_Gagnon
em algum lugar de minha juventude
em algum lugar de minha juventude
tempo em que acreditava em Deus
li em Saint-Exupéry
“é melhor descascar batatas pelo amor de Deus
que edificar catedrais”
chegada a velhice
açoitado pela doença e pela peste
tempo em que não mais acredito em Deus
Saint-Exupéry ainda vem em meu auxílio
na cozinha de minha casa
descasco batatas de verdade
coloco-as para cozinhar
tempero com alho cebola pimenta
à espera da companheira
quando ela chega o almoço está pronto
ganho elogios pelas batatas
penso que é melhor descascar batatas
pelo amor à vida que me resta
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Artesania
Era moça bondosa.
Por isso se admirou muito quando ficou sabendo
[que havia a palavra artesania.
Falou artesania, em voz alta.
Ouviu então uma profusão de violinos.
Ouviu o sereno da noite,
seu próprio medo de não existir,
o gosto de um fruto exótico,
a sede,
a fome,
a deselegância dos cotovelos,
as euforias da primavera.
Ouviu a própria ovulação, no âmago,
a cor dos olhos,
bem como as tentações de cada entardecer,
os desejos, os desejos.
Gostou tanto que botou nome na sua
[gatinha: Artesania.
A gatinha apreciou deveras e passou
[a miar poesia.
Paulo Sergio Viana
In Esmo, 2020
Muita neve em Forest Hill
Galeria de Família
no pequeno jardim (?) em frente a nossa casa
em Londres, Forest Hill, 1986 (?)
Onde estará o André?
Galeria de Família
em algum momento do curdo de Medicina
na UERJ, antiga UEG, anos 60
A visita
Meus quadros favoritos
Silvestro Lega (1826-1895)
Galeria Nacional de Arte Moderna, Roma
Pertencente ao grupo Macchiaioli