Cenas inglesas
Denmark Hill Station
Perto do hospital onde eu trabalhava, o King`s College Hospital, ou simplesmente King`s, localizado em Brixton, sul de Londres, há uma bonita estação de trem – não havia metrô naquela região – chamada Denmark Hill, e na estação, um lindo pub com o mesmo nome. Com a frequência que as condições financeiras permitiam, almoçávamos lá, o pequeno grupo de pesquisadores da Liver Unit, renomado centro de estudos e tratamento das doenças do fígado, todos estrangeiros.
No frio Serviço chefiado pelo gelado Dr. R.W., homem severo com olhos cor de água, trabalhavam cinquenta pesquisadores, estrangeiros em sua grande maioria, e tratados como tal, subalternos serviçais de segunda classe a fazer aquilo que os autóctones desprezavam. Depois de dois anos de trabalho na Unidade, percebi que poderia agrupar alguns desses desvalidos, e chegamos mesmo a incomodar os ingleses com a elevação da autoestima do grupo. Os almoços no Denmark Hill faziam parte dessa estratégia.
Dentre os membros do “seleto” grupo havia um italiano que merece destaque e ainda hoje me lembro dele com carinho, por duas particularidades especiais, pelo menos para mim: era louco por futebol e conhecia tudo sobre a vida dos papas. Luiggi era torcedor fanático do Catanzaro, time da pequena cidade do mesmo nome, na região da Calábria, ao sul da Itália, e conhecia a fundo o futebol do Brasil, capaz de citar de cabeça a escalação da seleção brasileira campeã da Copa de 58, na Suécia. Assunto melhor não poderia haver, entre dois melancólicos saudosos expatriados.
O que me fascinava mesmo em Luiggi era seu conhecimento enciclopédico sobre a vida dos papas, de todos os papas! Ele discorria com o entusiasmo próprio dos italianos sobre as qualidades dos pontífices, para ele homens extraordinários, de grande estudo inteligentíssimos cultíssimos, políticos de primeira grandeza, porque só assim poderiam chegar à posição de Papa, numa instituição em que o vencedor precisava lutar incontáveis ferrenhas batalhas em uma guerra feroz, até que a chaminé do Vaticano soltasse a fumacinha branca.
Parece que Luiggi conhecia os intestinos do Vaticano! Sabia de escabrosos escândalos da cúria romana. Mas nada era capaz de diminuir a admiração dele pelos papas. Daí que desenvolveu interessantíssima teoria, sobre a qual discorria longamente, fazia uma pausa para causar suspense – mesmo tendo contado a história várias vezes – e em seguida vaticinava:
– Todo papa é ateu!
O espanto era inevitável para quem escutasse a teoria pela primeira vez. Era a oportunidade que Luiggi precisava para discorrer com o arrebatamento de sempre:
– Homens de tanto estudo, inteligentes, cultos, grandes políticos, teólogos por excelência, conhecedores das raízes da religião, da história da Igreja, dos subterrâneos da fé, esses homens notáveis só poderiam ser ateus! Eles conheciam a verdade.
Ríamos todos, saboreando um delicioso scotch egg, regado a uma caneca de Guiness, em Denmark Hill.
E não é que a estória saiu mesmo. Ótima André. Com direito a foto do pub!
ResponderExcluirAndré, sou um pouco suspeito, mas tenho a impressão que está cada vez mais agradável ler as suas crônicas.
ResponderExcluirAmigos são para essas coisas... Obrigado!
ExcluirExcelente recordação. Isso pode virar um marcador: "Recordações londrinas".
ResponderExcluirOptei por Cenas inglesas.
ExcluirFantástica teoria!! kkkk
ResponderExcluirEssas histórias das "recordações londrinas" ou "Cenas inglesas" estão me deixando cada vez com mais saudade da "England".