sábado, 31 de outubro de 2020

Discordância leal

 

Otávio Santana do Rêgo Barros publicou artigo no Correio Braziliense (27 out 2929) a merecer nossos aplausos pela coragem, erudição, pela forma exemplar, além da elegância proporcionada pela fina ironia: ele não cita nomes.

            Já o título é instigante: Memento mori. Reproduzo aqui o primeiro parágrafo do texto:

 

“Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!”

 

Em seguida discorre sobre falsas promessas das campanhas eleitorais; das dificuldades políticas por mesquinhos interesses; daqueles que são desrespeitados e abandonados ao longo do caminho; da confortável mudez dos que sobrevivem, movidos por interesses pessoais. 

Até que surge a interessante expressão discordância leal, definida pelo autor como “um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.”

O restante do texto por ser lido no endereço abaixo:

https://blogs.correiobraziliense.com.br/denise/com-artigo-memento-mori-general-rego-barros-se-transforma-em-porta-voz-dos-militares/

            

Me interessa a expressão discordância leal, que penso não se aplicar apenas às questões militares; ao contrário, diz respeito à vida cotidiana. Amigo de verdade é aquele que bem tolera a discordância leal; se a amizade termina diante a uma desagradável  discordância – o que não raro acontece – então não havia amizade. Nem sempre é fácil praticar a discordância leal nas relações conjugais: é mais fácil calar, e se perde a oportunidade de conversa franca, criativa, a propiciar crescimento do casal. A discordância leal encontra obstáculos até mesmo nas relações entre pais e filhos, onde seguramente predomina o amor; porém, a discrepância de gerações muita vez impede que uma observação verdadeira leve a bom resultado.

Para que seja eficaz, a discordância leal exige certo rebaixamento do narcisismo presente em todos nós; será preciso considerar o outro, reconhecê-lo como pessoa, aprender a ouvi-lo, para que então a discordância leal possa ser praticada com resultados.

Os fatores de negação vêm de todos os lados. Rêgo Barros aponta: “Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói!”, ao que acrescento: com o poder o ego se insufla, Narciso domina, o outro desaparece. (Mesmo que seja um poder de merda.) Poder, soberba, vaidade, desmedido orgulho de si mesmo, rechaçam de pronto a discordância leal. Pior: tudo isso faz com que a discordância se volte contra aquele que discorda, a gerar punição, cancelamento mesmo, para usar expressão da moda.

Vale a pena ler o artigo do General.

 

 

Um comentário:

  1. Eu li. Muito elegante e, sobretudo, pertinente a certa situação política brasileira, atual.

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